Nordeste tem mais de 29 milhões de pessoas em ruas sem acessibilidade, mostra Censo 

Por: GIFE| Notícias| 30/06/2025

Foto: Istock

Mais de 29 milhões de nordestinos que vivem em áreas urbanas estão em ruas sem rampas. O dado é do Censo de 2022, e representa 70,5% da população urbana da região

“Essa questão da acessibilidade é uma luta grande, principalmente para quem é de cidade pequena. Aqui, o pouco que tem, é feito de forma descuidada, e apenas porque são obrigados por lei”, relata Núbia Figueredo, de 48 anos, dos quais 26 vive em uma cadeira de rodas após ser vítima de uma tentativa de feminicídio. Residente de Conceição do Jacuípe (BA), ela enfrenta obstáculos diários para se locomover para atividades básicas, como ir ao banco ou ao posto de saúde.

Ainda de acordo com o IBGE, 65% da população urbana do país vive em vias com algum tipo de obstáculo. Ou seja, mesmo nas ruas que contam com rampas, a presença de barreiras físicas compromete o acesso, afetando pessoas com deficiência e idosos

Doutoranda em arquitetura e urbanismo pela UFBA, Larissa Grazielle observa os números como um descompasso em relação ao discurso de cidades inclusivas previsto nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

“Se analisarmos os planos diretores de cidades do Nordeste, todos vão mencionar acessibilidade. Existem leis robustas que os obrigam. Temos uma norma técnica que versa sobre critérios de acessibilidade desde 1985. Mas falta aplicar e fiscalizar.”

Arquitetura hostil

O desenho urbano das cidades é fundamental, e pode ser o responsável tanto por criar ambientes acolhedores, quanto hostis para essa população. É ele que prevê dimensões relacionadas ao mobiliário urbano, calçadas, rampas, sinalização tátil e auditiva. 

“Um projeto de cidade que atende ao desenho universal tem ambientes e serviços utilizáveis para a maioria. A arquitetura hostil é aquela que exclui determinadas pessoas em detrimento de garantir os espaços para outras”, explica Larissa Grazielle.

A cultura de priorizar meios automobilísticos na cidade, seja com obras asfálticas, duplicação de vias, aumento do espaço de estacionamentos, é um exemplo da arquitetura hostil. O papel de garantir que o desenho urbano seja inclusivo se estende até mesmo para as empresas de prestação de serviços de saneamento e eletricidade, por exemplo.

“O técnico, além das normas, precisa conhecer as vivências da cidade e os dados que revelam as infraestruturas que a população vai demandar – como o número de mulheres, crianças, idosos, pessoas obesas, com deficiência visual ou física”, completa a urbanista. Para ela, os técnicos responsáveis pelo planejamento urbano precisam dialogar com a população, que deve ter um papel decisório nessas escolhas.

Núbia Figueredo conhece bem essa realidade. Ela já precisou conversar com o engenheiro responsável pela instalação de rampas na praça principal da sua cidade, ao identificar que elas estavam sendo instaladas em uma área perigosa para cadeirantes.

“Estava muito rente ao meio fio, quando tentei usar, veio um carro em alta velocidade e quase fui atropelada. Essas questões a pessoa só têm conhecimento quando sente na pele. No dia a dia, dentro do escritório, não se atentam.”

Os políticos fecham essa tríade, já que é preciso engajamento no cumprimento das legislações. “Os gestores públicos precisam ver a acessibilidade não como um custo adicional, mas como investimento de justiça urbana, e dignidade da população”, acrescenta Larissa Grazielle.

População consciente 

Existe mais um ator que pode garantir uma realidade de inclusão nos espaços urbanos. O Investimento Social Privado.

Larissa argumenta que de nada adianta avançar nos processos de investimento em requalificação ou inclusão de calçadas, se a sociedade não estiver consciente de atitudes básicas que fazem a diferença. O avanço de mobiliários privados – como mesas e cadeiras de bares e restaurantes – para as calçadas, por exemplo, são um importante obstáculo que foi normalizado. 

“[O ISP] pode contribuir com programas de conscientização que expliquem para a população que por mais que a casa ou o comércio sejam entidades privadas, a calçada é o espaço de transição entre o privado e o público: é coletivo. Se essa transição é feita de forma segura, temos uma cidade mais justa e digna”, finaliza.


Apoio institucional

Translate »