Novas gerações são as que mais doam e percebem o impacto positivo da atuação das OSCs, revela novo estudo da CAF

Por: GIFE| Notícias| 11/02/2019

Acaba de ser lançada a segunda edição do Brasil Giving Report. Realizado pela Charities Aid Foundation (CAF) – instituição com sede no Reino Unido representada no Brasil pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) -, o estudo é uma fotografia do comportamento dos brasileiros no que diz respeito a doação, voluntariado e engajamento cívico.

A nova pesquisa, que abrange o período de agosto de 2017 a julho de 2018, revela que os números variaram pouco em relação aos doze meses anteriores, o que mantém o país no mesmo patamar no que se refere à cultura de doação: o brasileiro continua a doar de forma esporádica, sem comprometimento com a sustentabilidade das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e doa relativamente pouco – 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto) -, se comparado a países com maior tradição filantrópica, como o Reino Unido ou os EUA, com 0,5% e 1,4% de seus PIBs, respectivamente.

Para a diretora-presidente do IDIS, Paula Fabiani, a análise dos dados trazidos pelo estudo demanda considerar o reflexo de tempos difíceis em que o país atravessa uma profunda crise política e econômica. “Diante desse cenário, o fato de mantermos o mesmo percentual da população fazendo doações e trabalhos voluntários pode representar uma boa notícia, ainda que o volume doado tenha caído consideravelmente, o que nos mantém numa posição inferior dentro do ranking mundial de doação.”

No entanto, o relatório aponta que as novas gerações de brasileiros são mais engajadas e doam mais. O estudo mostra que pessoas entre 25 e 34 anos doaram mais dinheiro do que as pessoas com mais de 55 anos (75% versus 64%). Além disso, a pesquisa também constata que a faixa etária 18-24 anos é a que mais percebe o impacto positivo da atuação das OSCs no Brasil (85% versus 73% da média geral).

“O engajamento maior das gerações mais jovens nos permite cultivar uma expectativa otimista. Muito provavelmente, parte desse entusiasmo das novas gerações se deve aos esforços empreendidos por organizações que trabalham para a promoção de uma cultura de doação. Temos iniciativas muito interessantes, como o Dia de Doar e a Campanha ‘Descubra sua Causa’, além de uma série de novas plataformas de doação e crowdfunding. Se o resultado desses esforços se mostrarem consistentes, tudo indica que teremos uma sociedade mais doadora no futuro”, observa Paula.

Principais achados

O estudo revela que 70% dos brasileiros doaram dinheiro no período abrangido pela pesquisa, seja a uma organização da sociedade civil, igreja, organização religiosa ou patrocinando alguém. No quesito voluntariado, mais da metade das pessoas (53%) fez algum tipo de trabalho voluntário no referido período.

As causas mais populares permanecem as mesmas em relação aoestudo anterior, com aproximadamente metade dos doadores (52%) apoiando organizações religiosas/igrejas.

A doação em dinheiro é o método mais comum, sendo utilizado por cerca de dois terços dos doadores (68%). A quantia média doada é de duzentos reais.

As principais motivações também permanecem inalteradas. “Porque faz com que se sintam bem” é a razão mais comum para a doação, com metade das pessoas citando esse motivo.

A maioria dos entrevistados considera que o impacto das organizações da sociedade civil no Brasil é positivo para as comunidades locais, para o país como um todo e também internacionalmente.

“Ter mais dinheiro” é o fator mais citado pelos pesquisados (57%) como estímulo para as pessoas doarem mais tempo, bens ou dinheiro no próximo período.

Brasil x mundo

Na última edição do World Giving Index, lançada no segundo semestre de 2018, o Brasil teve o pior desempenho já registrado. O país saiu da posição de número 75 e foi para o 122º lugar no ranking geral, sendo o pior colocado na América Latina. Foram entrevistadas mais de 150 mil pessoas em 146 países.

Conhecido como ranking global de solidariedade, o estudo, também produzido pela CAF, registra o número de pessoas que, no mês anterior à consulta, doaram dinheiro para uma organização da sociedade civil, ajudaram um estranho ou fizeram trabalho voluntário. No Brasil, houve queda nos três comportamentos.

Para Paula, a recessão econômica dos últimos anos fortaleceu o individualismo na sociedade, fazendo com que as pessoas se preocupem mais em se proteger, deixando um pouco de lado os comportamentos solidários. “O relatório mostra que voltamos a níveis muito baixos de solidariedade, ao contrário dos últimos dois anos, quando cresceu a proporção de pessoas que ajudaram um estranho, fizeram trabalho voluntário ou doaram dinheiro. Isso indica que ainda não temos uma cultura de doação madura e estabelecida”, observa.

Desafios

Para especialistas, o desenvolvimento de uma cultura de doação no Brasil depende da superação de alguns desafios.

O primeiro é de dimensão cultural. De modo geral, os brasileiros são solidários ao presenciar o sofrimento de alguém, mas não possuem uma visão mais ampla acerca do potencial de transformação da doação. “Não doamos de forma estratégica, pensando em construir algo ou por uma causa específica. Então, o primeiro desafio é que comecemos a entender a doação como uma expressão de nossos valores e como uma atitude cidadã na construção de uma sociedade melhor”, ressalta Paula.

“Passaram-se gerações e nós mudamos hábitos, fumamos menos, reciclamos mais lixo, etc. Precisamos agora mostrar às novas gerações que o ato de doar é um ato de cidadania, um ato político, de defender a causa que você acredita e garantir que as organizações tenham capacidade de fazê-las avançar. Daí a importância das campanhas permanentes que trazem a doação ao centro do debate e chamam atenção para a importância da generosidade”, defende João Paulo Vergueiro, diretor executivo da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR).

O segundo desafio está na desconfiança da população em relação às OSCs. De forma geral, as pessoas não sabem o que são as organizações da sociedade civil, como elas atuam, que impacto geram, nem como são financiadas. “Infelizmente, estamos enfrentando uma onda de desconfiança generalizada, que atinge todas as instituições, inclusive as do terceiro setor. Para combater essa descrença precisamos nos comunicar melhor, informar nossas atividades e nossos resultados e batalhar para que a mídia também conte boas histórias a nosso respeito e não noticie o setor somente quando há algum escândalo envolvendo organizações da sociedade civil”, afirma Paula.

Para a diretora, o terceiro grande desafio está em desconstruir a ideia de que o doador não deve falar que doa. “O silêncio que envolve as doações não ajuda a disseminar o hábito nem a criar modelos de doadores que sejam admirados. Precisamos quebrar o silêncio que envolve a doação e conseguir que as pessoas falem que doam e convidem outros a doar também.”

Sobre as perspectivas para a agenda no atual contexto político e econômico do país, João Paulo sinaliza: “Nós não sabemos ainda o que vai acontecer na relação entre o governo e a sociedade civil. Porém, nós sabemos o que nós não podemos deixar acontecer: as organizações não podem depender de dinheiro público para a sua sustentabilidade financeira. Elas têm que, cada vez mais, depender das pessoas que compartilham das suas causas e confiam no seu trabalho a ponto de querer financiá-las para que gerem mais impacto e que esse impacto seja duradouro e verdadeiramente transformador.”

Perspectivas de avanço

Há perspectivas importantes no horizonte do estímulo ao desenvolvimento da cultura de doação no Brasil. É o caso da aprovação, no início deste ano, da lei 13.800, que regulamenta a criação dos fundos patrimoniais filantrópicos, instrumento importante para o financiamento de longo prazo das organizações da sociedade civil.

A Medida Provisória que deu vida à lei (MP 851/2018) foi anunciada pelo governo federal dois dias após o incêndio no Museu Nacional – que destruiu cerca de 90% de seu acervo, de acordo com a direção da instituição -, com a finalidade de prover recursos para manutenção e preservação do patrimônio histórico e cultural do país.

Também conhecidos como endowments, os fundos patrimoniais filantrópicos são estruturas financeiras criadas para receber doações destinadas a sustentar causas ou organizações específicas. De modo geral, os recursos recebidos permanecem no fundo, em aplicações financeiras, e apenas os rendimentos são periodicamente resgatados para custear todo ou parte do funcionamento ou incremento de organizações educacionais, de saúde, ambientais, culturais e outras causas de interesse público.

Entre as vantagens do mecanismo estão a preservação do patrimônio doado, que garante a perenidade dos recursos, bem como o subsídio à operação de organizações de interesse público das mais diversas causas no longo prazo, constituindo-se, portanto, como fonte de recursos capazes de tornar as organizações mais independentes da captação por projetos.

A nova legislação é fruto de esforços de advocacy de organizações como o IDIS e o GIFE, entre outras que compõem a Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, ao longo de mais de seis anos. A aprovação se deu com alguns vetos negativos na avaliação das organizações, mas ainda assim significa um avanço no cenário geral da busca pela consolidação de uma cultura de doação no Brasil.

Dia de Doar

Ações pelo fortalecimento da agenda se multiplicam pelo país e têm mobilizado pessoas e organizações de setores diversos. É o caso do Dia de Doar.

A ação, que começou nos Estados Unidos em 2012, foi realizada no Brasil pela primeira vez em 2013 e hoje é uma campanha mundial com mais de 35 países participantes.

A última edição da iniciativa aconteceu no dia 27 de novembro e teve um alcance de 22 milhões de pessoas nas redes sociais e R$ 1.314.000,00 arrecadados, mais que o dobro do ano anterior.

Para João Paulo, o resultado mostra que o movimento está no caminho certo.

“Como essa não é uma campanha centralizada, de cima para baixo, ela depende muito da adesão voluntária das pessoas por todo o país. E os números mostram que isso tem acontecido, as pessoas têm se engajado e criado suas próprias campanhas do Dia de Doar. Esse é o espírito do Movimento por uma Cultura de Doação: que tenhamos uma sociedade que doe habitualmente e cotidianamente”.

A ABCR faz parte do Movimento por uma Cultura de Doação, sendo uma das organizações executivas do Dia de Doar em nome do Movimento. João Paulo conta que este ano, o Movimento está desenvolvendo sua estratégia pensando em ampliar sua atuação com outras ações e novos atores. “Nossa expectativa é que o Dia de Doar, sem dúvida, siga sua trajetória de crescimento em forma de ondas, descentralizado, proporcionando que cada um se empodere da ideia e faça o seu próprio Dia de Doar, alcançando mais e mais pessoas pelo país.”

O Dia de Doar tem estimulado a participação de pessoas, organizações e empresas, que têm criado suas próprias campanhas de captação de recursos sob o mote da ação. Este ano, a ação acontecerá no dia 3 de dezembro.

O próprio Movimento por uma Cultura de Doação se fortalece em 2019 com uma nova governança, a partir da criação de comitês. Os membros do movimento agora se reúnem em cinco grupos: Coordenação, Eventos, Conhecimento, Comunicação e Conteúdo. A proposta é avançar na articulação e na realização de ações ao longo do ano.

Campanha “Descubra sua Causa”

Outra iniciativa que vem fortalecer o Movimento é a Campanha “Descubra Sua Causa”, lançada pelo IDIS em dezembro de 2018. Baseada em um teste simples e divertido, a iniciativa identifica as causas dos cidadãos e os conecta a organizações da sociedade civil que atuam diretamente com os temas. Em pouco tempo, a campanha se espalhou pelas mídias digitais e já atingiu mais de um milhão de pessoas.

Paula explica que a campanha foi concebida exatamente para levar as pessoas a refletirem sobre o que elas querem transformar no mundo. “Essa exposição trouxe o que é considerado um bom nível de engajamento, e, melhor ainda, cerca de 80% das pessoas que chegaram à plataforma concluíram o teste e mais da metade selecionou algum ODS [Objetivo de Desenvolvimento Sustentável] de sua preferência”, comemora.

A diretora do IDIS ressalta o aprendizado adquirido com a iniciativa e as expectativas de ampliar a ação. “Conduzir a campanha está sendo um aprendizado para o IDIS, já que é a primeira vez que fazemos isso. Percebemos que temos inúmeros caminhos para levar a campanha a aparecer mais. Trata-se de uma campanha majoritariamente online, mas percebemos um impacto importante das mídias offline, como televisão, revista e jornal. Este ano, queremos ampliar o público levando a campanha para dentro de empresas e também expondo no que se chama mídia out of home, ou seja, em relógios, pontos de ônibus, TVs no metrô, elevadores, etc. Qualquer um que possa contribuir nos ajudando a desbravar esses caminhos será muito bem-vindo.”

Para garantir que a ação seja bem sucedida, o IDIS convida a todas as organizações a se prepararem atualizando seu cadastro no Mapa das Organizações da Sociedade Civil, plataforma instituída pelo Decreto Federal 8.726/2016, que a reconhece como ferramenta de gestão pública cuja finalidade é dar transparência, reunir e publicizar informações sobre as OSCs e as parcerias celebradas com a administração pública federal a partir de bases de dados públicos.

A ferramenta foi escolhida por ser referência para quem busca conhecer melhor as 820 mil OSCs espalhadas pelo Brasil. No entanto, a plataforma deve ser atualizada pelas próprias organizações com informações sobre projetos, certificações, ano de criação, formas de contato e áreas em que atuam.

Como parte da ação, o IDIS também orienta que as OSCs atualizem seus sites da maneira mais objetiva possível com informações sobre suas causas, o que fazem, que resultados alcançaram até o momento e orientações para interessados em doar.

Novas ações

Para o GIFE, fomentar a cultura de doação é agenda estratégica e, em 2019, iniciativas neste sentido ganharão ainda mais força entre os investidores sociais.

Assim, com a proposta de unir vários dos projetos citados ao longo desta matéria e trazer novos atores para a conversa, o GIFE realizou um encontro em São Paulo, no final de janeiro. A proposta do workshop foi discutir a possibilidade de criação de uma pauta comum de atuação que unifique a todos, visando pensar estratégias que possam incentivar que mais indivíduos façam doações recorrentes; que mais famílias estruturem iniciativas filantrópicas; que as novas gerações cresçam em uma cultura de doação; mais empresas doem estrategicamente; e mais investidores sociais se engajem nesta causa.

“A proposta é pensar qual chamado unifica a todos para a doação. Precisamos criar uma narrativa de que a doação é sim possível e pode ser feita por todos: indivíduos, empresas, instituições, etc. Qual é a sua parte nisso? Queremos chegar a uma linguagem comum e articular os diversos atores que já atuam no campo do fomento à cultura da doação e juntos levantarmos essa bandeira”, comentou José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, lembrando que o GIFE quer ser esse pólo, que aproxima não só os associados, mas outras instâncias para uma atuação em rede.

“É fundamental termos uma sociedade capaz de solucionar os seus problemas, que perceba que tem uma corresponsabilidade no processo e que somando esforços e recursos é capaz de enfrentá-los e avançar. Essa narrativa comum colabora”, completou José Marcelo.

O encontro foi um momento importante para apresentar ideais iniciais do que poderia ser essa plataforma de ação conjunta e todos os presentes puderam compartilhar ideias, demandas e desafios. Um dos pontos centrais trazidos pelos presentes foi a necessidade de olhar para este “ecossistema da cultura de doação”, identificando gargalos, oportunidades, atores envolvidos, etc. para que a ação a ser realizada possa, de fato, ajudar a fortalecer o que já vem sendo feito, aprimorando processos e criando novas ações necessárias.

“Para nós faz todo o sentido fazer parte desse grupo. Queremos ajudar e construir juntos. Acredito que um ponto central nesta discussão é como trazer o cidadão para o centro da responsabilidade, pois é uma questão que não diz respeito a um ou determinado setor, mas a sociedade como um todo”, destacou Carola Matarazzo, do Movimento Bem Maior.


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