Flexibilidade e confiança: as perspectivas para o financiamento da sociedade civil

Por: GIFE| Notícias| 07/02/2022
financiamento da sociedade civil

Apesar de ser inegável que muitas organizações sofreram com os efeitos da pandemia, principalmente na captação de recursos, o Censo GIFE 2020 apontou que 64% dos investidores sociais repassaram recursos para organizações da sociedade civil (OSCs), direcionando um montante de R$ 2,16 bilhões.

“Sem dúvidas a pandemia intensificou a relação dos investidores com a sociedade civil, que, por sua vez, foi capaz de dar uma resposta contundente no enfrentamento à Covid-19. Esse cenário favoreceu o estreitamento dos laços de confiança entre esses atores, que tendem a ser fortalecidos”, comenta Patricia Loyola, diretora de gestão e investimento social da Comunitas, responsável pelo BISC –  pesquisa Benchmarking do Investimento Social Corporativo. O estudo registrou um montante de R$ 5,05 bilhões, dos quais 47% foram alocados exclusivamente em ações voltadas à mitigação dos efeitos da Covid-19.  

“Se antes, cada fundação, instituto ou empresa tinha projetos próprios e olhava com desconfiança para as organizações da sociedade civil, a pandemia mostrou que foi necessário fazer parcerias com essas organizações, pois elas é que sabiam o que precisava ser feito nos territórios e comunidades, além de contarem com a confiança das pessoas”, explica Amalia Fischer, co-fundadora do ELAS+ – Doar para Transformar.

Rodrigo Alvarez, sócio diretor da Mobiliza Consultoria, acrescenta que, considerando a percepção de que investir na sociedade civil organizada é fundamental, a tendência de maior contato entre institutos, fundações e empresas e OSCs, observada há alguns anos, pode ter sido catalisada pelo momento de crise sanitária. “Existe uma questão histórica de confiança e alinhamento de estilos e tempos entre o que o investidor social espera e a organização realiza, mas é um processo lento, que não se muda em dois ou três anos.” 

Sociedade civil e democracia 

Uma democracia fortalecida está intrinsecamente conectada a organizações da sociedade civil financeiramente sustentáveis, analisa Amalia. Neste sentido, durante a pandemia de Covid-19, o ELAS+ percebeu que precisava se mobilizar para apoiar organizações e coletivos – formalizados ou não – compostos e liderados por mulheres e pessoas LBTIs (lésbicas, bissexuais, trans e intersexo). Por isso, flexibilizou os recursos destinados a esses grupos, para que pudessem atender às demandas de emergência humanitária e manter suas organizações ativas na luta por direitos. 

Esse olhar atento por parte de organizações financiadoras é fundamental para construir e apoiar a sustentabilidade das organizações da sociedade civil. 

“As OSCs são muito resilientes e resistentes a tudo o que tem acontecido. Mas não é possível continuar nessa resistência sem recursos. Não é justo com as pessoas que trabalham nessas organizações, que, neste momento, estão esgotadas física, mental, espiritual e psicologicamente. Sem sociedade civil, movimentos sociais e partidos políticos não temos democracia”, defende Amalia.  

Para Amalia, é fundamental que investidores sociais também considerem financiamentos desatrelados de projetos, que possam ser aplicados na remuneração da equipe e no desenvolvimento e manutenção institucional da organização apoiada. 

“Eu acredito que apoiar a sustentabilidade das organizações é um meio para apoiar todo o resto. Quem tem recursos para pagar salários e ter uma sede vai conseguir executar sua missão, que pode ser garantir um direito fundamental, como acabar com a fome. Mas se essa organização não tem recursos, precisa a todo momento ‘mover céus e terras’ para minimamente pagar algumas vezes as pessoas que colaboram, ela não será sustentável com o tempo.” 

Relações de confiança  

Em razão de seu aniversário de 10 anos, a ponteAponte debateu diversos temas de interesse do investimento social e sociedade civil via charges: avaliação, financiamento, teoria da mudança e a relação de confiança entre financiador e financiado. 

Apesar de defender que ainda é cedo para afirmar ser uma tendência entre os investidores sociais brasileiros, Rodrigo aponta maior presença do assunto ‘relações mais horizontais’ nas discussões sobre cultura de doação e financiamento. 

Segundo o diretor, muitas organizações conseguiram se manter vivas e ativas até o momento por conta da maior flexibilidade e atenção às reais necessidades das organizações por parte dos financiadores, além do reconhecimento de suas expertises. Organizações comunitárias, por exemplo, desempenharam um trabalho fundamental na distribuição de cestas básicas às famílias que mais precisavam, considerando seu conhecimento dos territórios e suas necessidades. 

“Mackenzie Scott, ex-mulher do Jeff Bezos, dono da Amazon, doou, durante a pandemia, cerca de 8,6 bilhões de dólares para grandes e pequenas organizações no mundo inteiro. O volume doado é impressionante, mas o que mais chamou a atenção do mundo filantrópico foi a relação de absoluta confiança e liberdade que ela estabeleceu, o que tem gerado um grande debate entre investidores sociais, principalmente americanos, sobre mais confiança e menos controle na relação entre financiadores e financiados”, comenta Rodrigo.  

Patricia também aponta a maior cooperação como uma das estratégias para momentos de crise e emergências como a Covid-19. “Neste período sem precedentes, os inúmeros desafios foram enfrentados com maior colaboração entre os setores e tal experiência deixou um saldo positivo no aprendizado e amadurecimento da relação entre financiadores e financiados.” 

A diretora também comenta que a melhoria dos processos de avaliação e monitoramento de parcerias é um dos principais pontos sinalizados pela pesquisa BISC ao longo dos anos, bem como a mensuração da contribuição específica do investimento social privado para as iniciativas conjuntas entre o investidor e a sociedade civil. Os respondentes da pesquisa também consideram a necessidade de aprimoramento das estruturas administrativas e de gestão das organizações da sociedade civil, em especial, para permitir maior transparência de suas ações. 

“Essas atitudes podem favorecer ainda mais a aproximação entre financiadores e financiados, potencializando as ações e os aprendizados do último ano.”


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