Pesquisa indica persistência da disparidade de gênero em relação à divisão do trabalho doméstico e ao mercado de trabalho

Por: GIFE| Notícias| 17/04/2020

De acordo com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, mais do que um direito fundamental, a igualdade de gênero é a base necessária para a construção de um mundo pacífico, próspero e sustentável. De acordo com o Objetivo, é necessário acabar com todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas e eliminar todo e qualquer tipo de violência contra o público feminino nas esferas pública e privada. 

O Brasil, entretanto, ainda precisa percorrer um longo caminho para conquistar a equidade de gênero. De acordo com o ranking de igualdade de gênero 2020 (Global Gender Gap Report) do Fórum Econômico Mundial, o país ocupa o 92º lugar entre 153 nações. Apesar da melhoria de três posições em comparação ao ano anterior, detém uma das maiores distâncias entre gêneros entre os países da América Latina. Em nível global, serão necessários 100 anos, segundo o estudo, para eliminar esse gap

Com o objetivo de entender a percepção de paulistanos e paulistanas sobre igualdade de gênero, violência contra a mulher e temas correlatos, a Rede Nossa São Paulo, em parceria com o Ibope Inteligência, realizou a pesquisa Viver em São Paulo: Mulher. Cerca de 800 entrevistados responderam sobre divisão de tarefas domésticas, cuidados com os filhos e violência contra a mulher. 

Mulheres e o papel de cuidado  

Para Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo, o conjunto de dados revelados pela pesquisa indica persistência da disparidade de gênero em relação à divisão do trabalho doméstico e ao mercado de trabalho. Por isso, “muitas mulheres são tolhidas de seu direito à cidade devido a assédios e violências de gênero em espaços públicos.”

A coordenadora explica que, pela primeira vez, a pesquisa aborda uma pergunta inédita que diz respeito ao cuidado da casa. Para 52% dos homens entrevistados, os afazeres domésticos são divididos igualmente com as mulheres. Entre elas, o índice é de 39%. “Isso mostra como muitos afazeres são subestimados e mulheres assumem detalhes ou afazeres que não são levados em conta”, ressalta Carolina. 

As percepções também são diferentes quando o assunto são os filhos. Três em cada cinco entrevistados declararam ter filhos, sendo que 45% afirmou dividir igualmente os cuidados da criança com o parceiro. Para homens, a percepção sobre essa afirmação é de 55%, enquanto apenas 37% das mulheres concorda. Também há discrepância considerável sobre não dividir o cuidado do filho com ninguém: 5% para eles e 18% para elas. 

Para Carolina, apesar de essa edição da pesquisa mostrar um avanço no que se refere ao cuidado dos filhos, a mulher ainda é responsabilizada por essa tarefa juntamente com afazeres domésticos. Se em 2018, apenas 12% das mulheres afirmou dividir os cuidados igualmente, em 2019 a taxa foi de 20%, sendo superada mais uma vez em 2020, com 37% das entrevistadas. 

Esse dado esbarra em uma realidade apontada pelo relatório Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade, publicado pela Oxfam. Segundo o levantamento, mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado. Isso equivale a uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global, mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.

“Muitas vezes, o homem fica como ‘ajudante’ desse cuidar. O Brasil tem muitos casos de mães solteiras. Segundo dados do Instituto Data Popular, em 2015, eram 20 milhões. Elas assumem a guarda dos filhos sem nenhum apoio financeiro e/ou emocional do pai biológico e o dado mostra que essa situação não é tão comum para o homem”, exemplifica a coordenadora. 

Violência 

O aumento do número de casos de assédio sexual e violência contra a mulher no último ano foi apontado por 74% dos entrevistados. Entretanto, enquanto 64% dos homens concordam com o dado, mulheres indicam ter maior sensibilidade ao tema, com 82% das respostas.  

Desde quando a pesquisa começou a ser realizada, em 2018, aumentar a pena contra quem comete a violência é a medida tida como prioritária entre os respondentes: em 2018, o índice era de 53%, passando para 51%, em 2019, e para 48%, em 2020. Em seguida, com 40% e 39%, respectivamente, são citadas mais agilidade no andamento da investigação e ampliação dos serviços de proteção a mulheres em situação de violência em todas as regiões da cidade. 

O tema das medidas frente a crimes de violência doméstica e familiar também é marcado por diferenças de percepção entre homens e mulheres. Enquanto a maior parte das mulheres cita o aumento das penas, mais agilidade no andamento das investigações e ampliação dos serviços de proteção à mulher como prioridade, homens demandam maior promoção de campanhas de conscientização. 

Carolina levanta algumas hipóteses para esses dados, como a constatação, por parte das mulheres, do número de violências que acomete o público feminino e o questionamento sobre a inalteração do cenário, além da motivação de ver “justiça sendo feita”, considerando o cansaço de observar impunidade e consentimento do Estado frente a essas agressões.  

“Geralmente penas e justiça tendem a desincentivar crimes e agressões. Há processos interessantes acontecendo por meio da justiça, mas também do diálogo. Acredito que os homens ainda precisam de desconstrução coletiva. E acho que o homem também tem medo de perder seu lugar de poder e de ser reprimido com justas sentenças”, afirma. 

Para a coordenadora, outro caminho para reverter esse quadro de desigualdade entre os gêneros é incentivar – inclusive entre homens – que a sociedade repense seu cotidiano e questione espaços, problematizando lugares que não tenham mulheres, uma vez que mais da metade da população é composta por elas. 

Também faz-se necessário o papel do Estado com políticas específicas e transversais para responder a casos de violência de gênero e feminicídio, além de considerar, em processos de planejamento e infraestrutura das cidades, a garantia do direito de todos de ir e vir de forma livre e segura. “Serviços e equipamentos do Estado para abordar questões de gênero devem ser acolhedores e presentes nos 96 distritos da cidade. É de suma importância ter equipamentos, como delegacias especializadas para tratar de casos de violência.” 

Saiba mais 

A pesquisa faz parte da série “Viver em São Paulo”, realizada pela Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência desde 2018. Confira aqui a apresentação da pesquisa e neste link o levantamento completo.


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