Prazo de validade do Fundeb é tema urgente em 2020
Por: GIFE| Notícias| 20/01/2020O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é a principal política de financiamento da Educação Básica no Brasil. Respondendo por 50% dos investimentos públicos na área, a política possui um funcionamento redistributivo, que permite que mais recursos sejam destinados aos municípios e estados que mais precisam para que esses entes possam investir no futuro de suas crianças e adolescentes. Ao todo, o Fundeb redistribui mais de 150 bilhões de reais.
O tema é um dos principais debates da área de educação na atualidade, tendo em vista o prazo de validade da política. A Emenda Constitucional nº 53, de 19/12/2006, que criou o Fundeb, estabeleceu o prazo de 14 anos para sua vigência. Assim, a política se encerra no dia 31 de dezembro de 2020.
De acordo com lideranças de setores diversos da sociedade, se isso acontecer, a previsão é de caos generalizado nas redes de ensino e escolas de todo o país, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Para Caio Callegari, coordenador de projetos do Todos Pela Educação, a extinção do Fundeb representaria o fim de uma das mais fundamentais políticas de educação no Brasil. “Em vigor há mais de uma década, o Fundeb apoiou os avanços na área, tanto em matéria de inclusão, quanto de aprendizagem. Seu fim levaria a um retrocesso educacional gigantesco que, no fim das contas, significaria milhares de crianças e adolescentes saindo da escola e não tendo garantidos seus direitos de aprendizagem”, observa.
A continuação da política é, portanto, consenso entre todos os setores da educação. A discussão sobre o futuro do Fundeb tem ocorrido, sobretudo, no Congresso Nacional, por meio de três propostas de emenda constitucional (PEC): 15/2015, na Câmara, e 65/2019 e 33/2019, no Senado.
Caio explica que as propostas têm configurações diferentes. “Algumas são mais conservadoras, no sentido de somente propor a perpetuação da política aumentando a participação da União, enquanto a PEC 15/2015, que tramita na Câmara, tem sido objeto de reflexões para seu aprimoramento, a fim de que o novo Fundeb seja mais redistributivo e melhore a qualidade do ensino nas escolas brasileiras.”
Aumento da participação da União
Segundo o coordenador do Todos Pela Educação, os debates em torno do aumento da participação da União na complementação dos recursos do Fundeb divide opiniões: há grupos defendendo a quadruplicação e outros a duplicação.
Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, faz parte do primeiro grupo. Ele explica que o substitutivo à PEC 15/2015, cuja minuta de relatório tem o apoio da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, determina uma complementação de 40% do governo federal, o que significa que a cada R$ 1,00 aplicado no Fundeb por estados e municípios, a União adiciona R$ 0,40.
“É pouco, mas é o quádruplo do que ocorre hoje. Além disso, o sistema distributivo proposto é híbrido, combinando a regra atual, que vem desde o Fundef [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério], com um novo modelo criado pela relatora da matéria, a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende. E ainda constitucionaliza o CAQ [Custo Aluno-Qualidade] criado por nós da Campanha e que já consta do Plano Nacional de Educação”, observa.
O coordenador observa que as outras duas PECs, que tramitam no Senado Federal, também defendem maior participação da União. “A PEC 65/2019 foi escrita pela Campanha, em acordo com os governadores liderados pela governadora Fátima Bezerra (RN). A outra foi escrita pelo senador Kajuru. Mas, ambas estão convergindo.”
“Aumentar progressivamente e de forma responsável a complementação da União ao Fundeb para potencializar a equalização do mecanismo e elevar o valor mínimo por estudante do país” também é uma das diretrizes propostas pelo Educação Já!, iniciativa do Todos Pela Educação que reúne recomendações e indica sete prioridades para melhorar a Educação Básica baseadas em diagnósticos detalhados, informadas por evidências e experiências de sucesso nacionais e internacionais e referenciadas no Plano Nacional de Educação.
Caio explica que esse debate leva em conta o valor que se investe por aluno no Brasil todo e tem como premissa evitar uma situação de subnutrição educacional.
“O atual valor é insuficiente para garantir um investimento mínimo adequado para que todas as redes de ensino, com boa gestão, possam alavancar resultados de aprendizagem satisfatórios. Nossa defesa é que esse aumento seja feito de forma progressiva e responsável para ser algo consistente e sólido, evitando que no futuro essa complementação caia por razões econômicas”, explica.
O coordenador do Todos observa ainda que, mesmo no cenário atual do país, de crise econômica e fiscal, existe espaço para aumentar o valor da complementação da União ao Fundeb.
“O Todos tem feito estudos que revelam esse espaço. A complementação da União ao Fundeb é uma das únicas despesas do governo federal que estão fora do ‘teto de gastos públicos’ [EC 95]. Ou seja, se o governo tiver mais receitas, como é a previsão para os próximos anos por conta da dinâmica econômica, pode colocar esse recurso a mais na complementação da União ao Fundeb sem entrar em conflito com a regra do ‘teto de gastos’.”
Aprimoramento: eficiência alocativa e indução de qualidade
Em relação ao aprimoramento do Fundeb, Caio observa que os debates têm se dado em duas camadas. A primeira diz respeito a uma redistribuição mais eficiente para destinar aos municípios mais pobres um montante minimamente adequado a fim de garantir a qualidade do ensino.
“Trata-se de um modelo operacional implementável. Não é fácil porque precisamos construir um sistema de informações e regras redistributivas que ainda não existe, mas que já está em vias de. Já existem cálculos preliminares, por exemplo, de repartição de recurso. Mas, de qualquer forma, para que isso ocorra, o primeiro passo é a inclusão na Constituição desse princípio de que a repartição dos recursos vai levar em conta tanto a condição fiscal dos entes federativos, quanto a questão da vulnerabilidade dos estudantes. O objetivo é que o Fundeb entre em um novo capítulo, que é de equidade.”
Outra camada do debate sobre aprimoramento se dá no sentido da indução de melhoria da qualidade, não só garantindo o recurso, mas estimulando todas as redes a buscarem melhorar seus resultados educacionais.
Caio observa que os debates acerca dessas duas dimensões não são excludentes. “O trabalho feito na Câmara pela deputada Dorinha tem sido de tentar compor todas essas peças do quebra-cabeça para que tenhamos um Fundeb mais potente no futuro.”
Expectativas e perspectivas
O coordenador do Todos Pela Educação afirma que, apesar do debate de longa data, o Brasil está atrasado na pauta.
“Estamos longe de um consenso ou de uma pactuação mínima, tanto na Câmara, quanto no Senado. Temos um ano para votar uma PEC e uma lei de regulamentação. É pouco tempo”, alerta.
Ainda assim, o especialista chama atenção para a oportunidade de melhorar a qualidade da Educação Básica por meio do debate do Fundeb.
“Essa situação cobra de todos nós uma urgência para a tentativa de construir pactuações para um Fundeb mais equitativo, mais redistributivo e mais indutor de qualidade do ensino.”
Para Daniel, o maior risco acerca do futuro do Fundeb é a pauta econômica se sobrepor à social.
“Assim como o financiamento adequado é um dos elementos da boa gestão – já que não se melhora a educação sem recursos –, o desenvolvimento econômico depende do financiamento adequado de políticas sociais capazes de consagrar direitos. No debate do Fundeb e em qualquer outro tema é preciso ter consciência sobre a necessidade de mudança do paradigma. Não são as pessoas que devem estar a serviço da economia. É a economia que deve estar a serviço das pessoas. E se for assim, retomamos o ciclo de crescimento, que, pautado nas pessoas, deve ser sustentável.”
O papel de toda a sociedade
Para Caio, o que todos podem e devem fazer para contribuir com a urgência do assunto é ecoar junto aos legisladores, mas também por meio de manifestações públicas, a defesa de um Fundeb continuado, mas também aprimorado.
“Essas manifestações serão fundamentais para ocupar esse debate e mostrar para toda a população brasileira a importância desse tema. Sociedade civil, investimento social privado, cidadãos, todos podem fazer isso e, inclusive, apoiar ações de comunicação nesse sentido.”
Para Daniel, é preciso defender um Fundeb pautado no direito à educação.
“Isso significa um Fundeb capaz de criar novas matrículas com padrão de qualidade e melhorar o padrão de qualidade das matrículas existentes. Garantir escolas que dêem condições para os alunos aprenderem e para os professores ensinarem. Implementar o Custo Aluno-Qualidade, que significa garantir que todas as escolas tenham professores bem remunerados, número adequado de alunos por turma, saneamento básico, alimentação nutritiva, transporte digno, laboratórios de Ciências e Informática, Internet banda larga e quadra poliesportiva coberta. Para isso acontecer é preciso que a sociedade toda se engaje nessa agenda.”