Sistema B reúne empresas que aliam lucro a preocupação socioambiental
Por: GIFE| Notícias| 29/10/2018Anualmente, a revista EXAME publica o Guia EXAME de Sustentabilidade para avaliar quais empresas obtém melhor resultado na união entre geração de lucro e impactos positivos para a sociedade. Realizado em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), o levantamento avalia três dimensões da sustentabilidade: social, ambiental e econômica.
A crença na importância do papel de empresas no cumprimento das metas apontadas pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) – a chamada Agenda 2030 -, por exemplo, é respaldada por Aron Belinky, pesquisador do GVces, que ressalta a necessidade de investimentos notáveis, além de uma reconfiguração de sistemas produtivos e de mercado.
Mudar a lógica econômica vigente é a proposta do Sistema B, certificação concedida a empresas que unem o lucro à preocupação com o bem-estar da sociedade e do meio ambiente. Para entender as motivações desse grupo de instituições que se submetem a uma avaliação externa de sua pegada na sociedade, é preciso voltar ao surgimento do B Lab, considerando que o ‘B’ vem de benefício.
Segundo Marcel Fukayama, cofundador e diretor executivo do Sistema B Brasil, o B Lab, – organização fundada em 2006, nos Estados Unidos, por três empreendedores -, foi criado no rastro de uma reflexão sobre impacto e valor que ações sociais e ambientais de empresas têm em transações comerciais. “Dois desses empreendedores eram donos de uma empresa de artigos esportivos. Eles venderam essa empresa para um fundo americano e perceberam que todas as práticas de impacto social e ambiental positivo não haviam sido consideradas na transação e que não foram mantidas pelos novos donos. Então, começaram a refletir sobre como criar uma metodologia de métricas não apenas econômicas, mas também sociais e ambientais, para medir o impacto positivo de uma empresa”, explica.
A chegada na América Latina não tardou. Marcel conta que em 2012, um grupo de empreendedores sul-americanos foi até o B Lab nos Estados Unidos para propor a criação de uma organização na América Latina de forma a levar o movimento mais especificamente para Chile, Colômbia e Argentina. “Ao mesmo tempo, eu mesmo estava indo para os Estados Unidos para propor a criação do B Lab Brasil. A equipe me conectou com esses empreendedores do Chile e juntos pensamos no Sistema B Chile, Colômbia, Argentina e Brasil. Hoje, ele está em onze países na América Latina e essa foi a grande pílula de expansão global, incentivando o surgimento de B Lab’s pelo mundo.”
A ideia caminhou e amadureceu criando um movimento global de empresas com uma certificação que atesta sua responsabilidade social. No Brasil, são 122 empresas B, 160 empresas B internacionais que atuam no Brasil, 400 na América Latina e 2.650 no mundo, espalhadas por 70 países na América, Europa, Reino Unido, África e Austrália.
O que é ser B?
Quando uma empresa recebe o selo ‘B’, ela concorda com valores como interdependência, cuidado, inovação, co-construção, paixão e diversidade, além de ser uma embaixadora da missão de construir um ecossistema favorável para fortalecer empresas que utilizam a força do mercado para solucionar problemas sociais e ambientais. O grande mote dessas instituições é não opor a prosperidade financeira à preservação do planeta, fazendo com que as duas coisas andem juntas.
As empresas aptas a fazer parte do grupo têm três pontos em comum: propósito e comprometimento na geração de impacto positivo na sociedade e meio ambiente a partir de sua atividade; consideração da opinião de seus stakeholders em todas as tomadas de decisão, sejam elas em curto ou longo prazo; além do compromisso com a transparência em relação a medir e reportar seu impacto.
O processo para receber a certificação começa com o preenchimento da ferramenta “Avaliação de Impacto B”. Utilizada por 70 mil empresas ao redor do mundo para mensurar e reportar impacto, ela analisa cinco dimensões das candidatas: governança, trabalhadores (funcionários), meio ambiente, comunidade (fornecedores e distribuidores) e modelo de negócio.
No passo seguinte, a empresa é convidada a enviar documentos que comprovem os dados fornecidos inicialmente, com evidências sobre o que ela respondeu. Uma vez geradas essas evidências, é feito todo um processo de validação e verificação pelo B Lab, que avalia todas as empresas de forma online. A partir das conclusões, cada uma recebe uma pontuação entre zero e duzentos. Se alcançar oitenta pontos, está elegível para se tornar uma empresa B.
Para receberem o certificado B, a empresa precisa assinar uma declaração de autodependência, atestando que ela faz parte de uma comunidade, além de alterar seu contrato ou estatuto social para acrescentar as chamadas “Cláusulas B” no objeto social e na responsabilidade dos administradores.
Uma nova mentalidade econômica
Mas, afinal, por que é preciso seguir a proposta do Sistema B e redefinir o que é ter sucesso na economia pensando um modelo mais inclusivo e sustentável? A resposta a essa pergunta envolve interesses sobretudo econômicos, mas também políticos, éticos e sociais.
“Queremos ampliar o conceito de sucesso na economia para contemplar não apenas o êxito financeiro, mas também o bem-estar da sociedade e do planeta. Isso significa que uma empresa bem sucedida transcende sua lucratividade, ela também considera o bem-estar dos seus colaboradores, da comunidade onde está inserida, seu impacto ambiental, sua governança, o que é sucesso para ela e como ela mede e reporta esse sucesso”, explica Marcel.
Com a crença de agregar as empresas que são melhores para o mundo e não as melhores do mundo, um ponto que deve ser ressaltado sobre empresas com selo B é que elas não se encaixam na lógica de mitigação de impactos, ou seja, de desenvolver ações para desacelerar resultados negativos provenientes de suas práticas. Elas apostam em uma nova lógica de geração de impacto positivo.
Segundo Marcel, uma das características principais desse tipo de empresa é que ela sai da lógica antiga de mitigar o impacto negativo. “Uma empresa de uma nova economia gera impacto positivo na natureza do seu negócio. Isso traz uma oportunidade de redefinir o papel das empresas na sociedade. Elas podem resolver problemas sociais e ambientais ao mesmo tempo que têm modelos de negócios sustentáveis financeiramente e lucrativos também, além de serem grandes agentes de mudança, que vão trazer soluções não governamentais para problemas complexos.”
Para ilustrar, o diretor usa o exemplo da habitação. Segundo ele, seriam necessários R$ 40 bilhões e 121 anos para resolver o déficit habitacional de São Paulo dependendo somente do poder público. É aí que as empresas entram. A iniciativa privada pode, segundo Marcel, ser protagonista na resolução de problemas e assim acelerar a agenda 2030.
O ativismo empresarial e empresas de bens de consumo
A responsabilidade e potencialidade das empresas de atuar em problemas sociais e criar uma nova consciência no modo de consumo e produção fica mais evidenciada entre empresas de bens de consumo, que têm contato direto com o consumidor. Nesse sentido, Marcel ressalta que esse novo tipo de ativismo pode ser desempenhado fortemente pelo setor privado.
“Grande parte das empresas do setor de bens de consumo certificadas estão tomando a responsabilidade de engajar o consumo e falar ‘olha, você que está consumindo de uma empresa B está consumindo para um mundo melhor onde priorizamos o bem estar da sociedade e do planeta’. Há um endosso das empresas que vai além de simplesmente colocar o selo no produto, mas envolve a criação dessa relação com o consumidor em um patamar de uma nova consciência”, argumenta Marcel.
Quando questionado sobre o que falta para o Brasil atingir esse nível e ser um país onde a maioria das empresas tem uma preocupação que vai além do lucro, o diretor executivo do Sistema B Brasil aponta dois pilares. Um deles é o tempo. Segundo Marcel, é preciso de mais tempo para que as evidências sejam geradas em nível global, o que já vem acontecendo. “As evidências servirão para sensibilizar principalmente o mercado de capitais, para mostrar que o investimento em empresas com mais propósito, mais responsabilidade e mais transparência são investimentos mais rentáveis em longo prazo, além de serem mais sustentáveis para sociedade e para o planeta.”
O segundo ponto apontado por ele é a necessidade de trabalhar em uma nova legislação que institucionalize práticas positivas de impacto social, ambiental e econômico.
“Precisamos mudar a regra do jogo e estamos fazendo isso em quinze países, incluindo o Brasil. Nós pegamos os três elementos de uma empresa B – propósito, responsabilidade e transparência – e construímos um novo tipo societário de empresa. Nos Estados Unidos, isso é chamado de Benefit Corporation, na Itália de Società Benefit, na Colômbia Sociedade de Benefícios e Interesse Coletivo. Hoje, a mudança da regra é o que falta, ela é fundamental para que tudo isso não se limite a 2650 empresas, mas que sejam práticas institucionalizadas numa nova regra para operar no jogo dos negócios”, defende.
Cases brasileiros
Introduzida no Brasil em 2012, a lógica do Sistema B criou raízes e hoje são 122 empresas B no país. Cerca de 70% delas são de médio e pequeno porte. Estão entre elas 99jobs.com, Avante, Baluarte Cultura, Carioteca, Dinamo, Geekie, Mãe Terra, Maria Farinha Filmes, Mol Editora, Mov Investimentos, Natura, SITAWI Finanças do Bem, entre outras.
A chegada da certificação no país contou com inúmeros apoiadores, entre eles o Instituto de Cidadania Empresarial (ICE). “Nós apoiamos o Sistema B desde sua chegada no Brasil, muito pela crença de olhar para o desenvolvimento de negócios que tenham na sua estrutura uma preocupação mais ampla com estratégias de governança, relacionamento com a comunidade, meio ambiente, entre outros fatores”, explica Fernanda Bombardi, gerente executiva do ICE.
Na atual posição de aliado estratégico do Sistema B, o ICE avalia que o formulário para uma empresa obter a certificação B ajuda empreendedores a entenderem em quais aspectos do negócio precisam avançar. “[O formulário] acaba sendo uma referência interessante para uma reflexão sobre ações na estrutura de gestão que precisam ser adotadas se o empreendedor quer ter uma empresa melhor para o mundo. Nós entendemos que não é uma ferramenta que avalia o impacto social ou ambiental que cada uma entrega, mas traz uma reflexão interessante sobre esse posicionamento.”
Além de incentivar que as empresas tenham um compromisso com o desenvolvimento da sociedade e com a preservação do meio ambiente em patamares mais adequados do que os atuais, a ferramenta também permite uma comparação com outras empresas do mesmo setor. “Além do próprio preenchimento permitir reflexões interessantes sobre posicionamentos estratégicos e questões sustentáveis, a comparabilidade dentro de um setor ajuda muito a entender se você está indo bem ou se você precisa melhorar”, ressalta Fernanda.
Natura
Em 2014, a primeira empresa de capital aberto em todo o mundo a se certificar como Empresa B foi a Natura, a 30ª no Brasil, reconhecida em 2017 como a empresa mais sustentável do ano pelo Guia EXAME de Sustentabilidade. Segundo Marcel, a vontade de obter a certificação foi colocada pelos próprios fundadores da Natura, sobretudo Guilherme Leal, um dos que apoiaram a vinda do Sistema B para o Brasil.
“A Natura foi uma das empresas pioneiras a fazer contabilidade ambiental, então ela precificou o impacto ambiental que tem na extração, produção e distribuição e incorporou isso no modelo de negócio, o que a gente chama de internalizar as externalidades. Além disso, ela tem um modelo de negócio regenerativo. Na linha Natura Ekos, por exemplo, principalmente a linha ucuuba, a empresa descobriu que o fruto da árvore, que estava ameaçada de extinção por ser cortada para uso da madeira, servia para produzir cosméticos. Com isso, ela triplicou o valor econômico da comunidade, que passou a manter a floresta em pé”, explica Marcel.
SITAWI Finanças do Bem
Já a SITAWI Finanças do Bem entrou para o time de empresas B em maio deste ano. Gustavo Pimentel, diretor de Finanças Sustentáveis da SITAWI, explica que a vontade de obter a certificação foi um processo natural, uma vez que a empresa trabalha com avaliação de negócios de impacto e também de práticas socioambientais de grandes empresas.
“Dentro do cor da missão da SITAWI está a atuação com empresas, negócios de impacto e instituições financeiras que querem mudar suas práticas e causar um impacto socioambiental positivo e consistente. Como a SITAWI avalia essas organizações, entendemos que seria muito importante que nós mesmos fôssemos certificados segundo as práticas que nós valoramos. A busca pela certificação foi um processo natural porque, de alguma maneira, os princípios já estavam imbuídos na nossa gestão, governança e práticas”, ressalta Gustavo.
Segundo o diretor, um dos desafios da organização na hora de obter a certificação foi formalizar ações que, apesar de já acontecerem, ainda não eram documentadas. “O processo de certificação é algo que levou tempo, pois demandou, por exemplo, a coleta de indicadores que ainda não eram coletados. Mas, foi muito rico porque ajudou que a gente estruturasse, formalizasse e documentasse algumas práticas que tínhamos, mas não estavam formalizadas, o que contribuiu para o crescimento da organização. Hoje, a SITAWI conta com cerca de quarenta colaboradores e dez anos de atuação, então ela precisa ter uma robustez na sua governança, nos seus processos internos e no processo decisório.”
Vale ressaltar que somente uma parte da SITAWI é legalmente certificada pelo sistema B, uma vez que a empresa é uma organização híbrida do ponto de vista jurídico, composta por uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) e por uma entidade legal com fins lucrativos.
“Apesar de ter duas estruturas legais e dois CNPJ, a SITAWI atua de maneira integrada: é só uma marca e todas as políticas são comuns às duas estruturas jurídicas. Mas, o Sistema B não certifica organizações sem fins lucrativos. Então, essa foi uma dificuldade inicial porque tivemos que, na prática, segregar tudo o que fazíamos para poder medir indicadores e impacto da entidade com fins lucrativos. Do ponto de vista formal, a certificação B recai sobre essa entidade que opera o Programa de Finanças Sustentáveis da SITAWI, do qual eu sou diretor”, explica Gustavo.
Embora a certificação englobe apenas parte da organização, Gustavo ressalta que para a equipe da SITAWI, é como se todo o grupo fosse certificado, uma vez que todas as práticas internas são compartilhadas. “Com a certificação, muita coisa foi formalizada ou documentada e algumas outras foram priorizadas ou antecipadas dentro do nosso planejamento estratégico. Como exemplo, nós começamos a ter mais práticas formais de recursos humanos e de inclusão e equidade de gênero e passamos a reportar essas práticas, algo que não fazíamos de maneira estruturada.”