Sociedade civil aponta alternativas ao uso excessivo de agrotóxicos no Brasil
Por: GIFE| Notícias| 07/03/2022Nos últimos três anos, foram registrados, no Brasil, 1.529 tipos de agrotóxicos, sendo 562 apenas em 2021. Segundo reportagem do portal O Eco, esses dados representam um crescimento de 33% no número de pesticidas aprovados desde o ano 2000. O aumento pode ser ainda maior caso prospere no Senado o Projeto de Lei (PL) nº 6.299/2002, aprovado na Câmara dos Deputados em fevereiro por um placar de 301 votos favoráveis contra 150.
Se sancionada, a proposta deve centralizar no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) as tarefas de análise e fiscalização desses produtos, o que poderia facilitar e acelerar a aprovação do uso de novos agrotóxicos no país.
“Quem vai ganhar com este projeto é o consumidor final e a sociedade brasileira”, considera o relator, deputado Luiz Nishimori (PL-PR). Já a oposição no Congresso Nacional e organizações da sociedade civil (OSCs) discordam da afirmação do parlamentar por entender, entre outras coisas, que as mudanças trarão uma série de prejuízos ao meio ambiente e à saúde humana. “Serão danos irreparáveis aos processos de registro, monitoramento e controle de riscos e dos perigos dos agrotóxicos no Brasil”, observou, em nota técnica enviada ao Senado, o Grupo de Trabalho (GT) Agrotóxicos e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O uso e o consumo de agrotóxicos, inclusive, foi o ponto de partida para a criação do programa Sistemas Alimentares, do Instituto Ibirapitanga, cuja proposta é contribuir para a construção de um sistema alimentar saudável, justo e sustentável. A organização entende que a maneira pela qual a sociedade produz, distribui e consome alimentos tem impacto na saúde das pessoas, nas relações sociais e no meio ambiente.
“A partir do momento que começamos a entender melhor todas as variáveis envolvidas no uso e consumo de agrotóxicos, passamos a ver o quanto essa questão é apenas uma das pontas de um modelo de sistema alimentar dominante que vem se perpetuando e é baseado na agricultura industrial, mais voltada à produção de commodities do que necessariamente de comida. Fomos entendendo que o uso e controle dos agrotóxicos era mais um efeito do que causa desse modelo alimentar”, analisa Iara Rolnik, diretora de programas do Ibirapitanga.
Alternativa ao uso excessivo de produtos químicos
Diante da alta utilização desses produtos químicos no Brasil e da possível alteração na legislação, as organizações da sociedade civil, além de se mobilizarem contra o PL, propõem um outro modelo de agricultura, já desenvolvido há décadas por povos e comunidades tradicionais do campo, a agroecologia.
“Não estamos falando apenas em produzir sem veneno e semente transgênica. A agroecologia implica no fortalecimento das comunidades rurais, dos direitos dos povos tradicionais, das relações justas de trabalho no campo e na luta contra a violência das mulheres. Por isso, afirmamos com muita segurança que sem feminismo não há agroecologia”, explica Flavia Londres, integrante da secretaria executiva da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Defensora de uma reforma agrária no país, Flavia afirma que não adianta produzir, por exemplo, comida orgânica, sem a utilização de agrotóxicos, e grande parte da população não ter acesso ou estar em uma situação de insegurança alimentar. “Defendemos um sistema que tenha comida de verdade para todo mundo, e que as populações mais vulneráveis tenham acesso a alimentação de qualidade. No nosso entendimento, se não for assim, não é agroecologia.”
A integrante da ANA é taxativa ao afirmar que o atual governo federal tem contribuído para o aumento da pobreza e dos índices de insegurança alimentar. “Isso está associado ao desemprego, à crise econômica e ao fim de políticas sociais, como o Bolsa Família. Outra questão está no campo da produção de alimentos da agricultura. Falta investimento em políticas públicas de apoio à agricultura familiar, camponesa e aquela desenvolvida por povos e comunidades tradicionais.”
O investimento em políticas públicas voltadas a pequenos agricultores, como aponta Flavia, é necessário pelo fato da maior parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros serem provenientes da agricultura familiar. “E essa agricultura está muito desamparada”, completa. Segundo as Organizações dos Produtores Familiares do Mercosul (Coprofam), entre 70% e 80% dos alimentos produzidos no país vêm da pequena agricultura.
“Precisamos fortalecer trabalhos de assistência técnica e extensão rural, programas como o de Aquisição de Alimentos (PAA), de compras institucionais de produtos da agricultura familiar e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). São políticas públicas que precisam ser integradas para reforçar a produção de alimentos pela agricultura familiar e os circuitos curtos de comercialização com a criação de canais para essa população comercializar os seus produtos, e o apoio às feiras locais. São medidas que, ampliadas e com grande escala, poderiam fazer a diferença”, considera a especialista.
Experiência junto às gestões municipais
Com o objetivo de apoiar e sistematizar processos de mobilização e incidência política no nível municipal visando a criação e o aprimoramento de políticas públicas, projetos, leis e experiências de apoio à agricultura familiar e à segurança alimentar e nutricional, além de fortalecer a agroecologia, a ANA, com o apoio de organizações, lançou a iniciativa Agroecologia nos Municípios.
Durante as eleições municipais de 2020, a entidade julgou ser importante “amarrar o compromisso com os sujeitos políticos” e desenvolver uma carta-compromisso por políticas de futuro, um instrumento de diálogo e cobrança. “Já acumulamos muitos aprendizados com essa ação, desde a articulação e promoção do diálogo entre comunidade e espaço público para pautar as necessidades e a construção da política pública juntamente com os beneficiados, que o transforma em sujeito do processo e não apenas recebedor dele”, explica Lucineia Freitas, consultora na região Centro-Oeste do projeto Agroecologia nos Municípios.
“Entre os desafios para desenvolver e expandir a agroecologia está a construção de ações a nível estadual, sejam elas vinculadas à garantia da terra a partir da regularização das comunidades que vivem em terras públicas estaduais, seja com a construção de Planos Estaduais de Agroecologia com ações que incidam nos processos produtivos, como assistência técnica agroecológica”, acrescenta a consultora.
Para as próximas eleições, Lucineia acredita que essa experiência junto aos municípios dá subsídios para construir uma pauta agroecológica com os estados, por meio de cartas de compromisso com a alimentação saudável e sustentável ou para pensar a expansão das ações no Legislativo, bem como retomar na esfera nacional.