Tecido social comunitário foi fundamental para elaboração de soluções de combate à pandemia nos territórios

Por: GIFE| Notícias| 21/06/2021
combate à pandemia
*Essa reportagem integra a Série Conhecimento Emergência, uma sequência de textos destinados a explorar cada um dos artigos e estudos produzidos no âmbito do eixo 5 (Apoio ao acompanhamento e análise do conjunto das ações mobilizadas) da iniciativa Emergência Covid-19, do GIFE.

 

Com a chegada da pandemia de Covid-19 no Brasil e considerando limitações de atuação e falta de celeridade do poder público em medidas emergenciais para combater os efeitos do novo vírus, as organizações da sociedade civil (OSCs) tiveram sua importância ainda mais destacadas em 2020 e 2021. Esse é o tema do artigo O papel e o protagonismo da sociedade civil no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil , que integra a série Estudos Emergência COVID

De autoria de Graciela Hopstein, coordenadora executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social (RFJS), e Milena Peres, assessora de dados, tecnologia e comunicação da RFJS, o artigo faz uma retomada do histórico das OSCs e da filantropia brasileira e analisa casos reais de organizações que atuaram durante a pandemia. O texto defende que a sociedade civil constitui um setor estratégico no processo de consolidação da democracia, além de evidenciar a importância de lideranças comunitárias e ações coletivas de base no enfrentamento às consequências da Covid-19. 

“Todo o tecido social comunitário foi absolutamente chave durante a pandemia para oferecer soluções aos problemas locais. Mesmo estando em situação de vulnerabilidade em termos políticos e econômicos, considerando a falta de recursos e o fato de viverem sob ameaças, as organizações da sociedade civil conseguiram criar diversos tipos de respostas aos problemas causados pela crise sanitária”, observa Graciela. 

Essa interpretação do trabalho desenvolvido pelas organizações conecta-se ao conceito de filantropia comunitária. Segundo Graciela, o termo parte da ideia de que as soluções são elaboradas pelas próprias comunidades que estão enfrentando o desafio em questão, processo que não demanda, necessariamente, alguém externo ao contexto para apoiar.

“Uma coisa são os recursos que podem vir de fora, mas as soluções e como fazer são processos elaborados pelas comunidades e pelos grupos de base. A filantropia comunitária é uma abordagem que permite explicar como as comunidades locais têm seus ativos e seus conhecimentos construídos ao longo do tempo para poder responder aos problemas”, aponta a especialista, reforçando a importância de mudar a lógica das iniciativas, normalmente pensadas ‘de cima para baixo’. 

Contexto 

Nos capítulos dois e três do artigo, as autoras abordam o cenário da pandemia no Brasil e seus impactos sobre as OSCs brasileiras, reforçando que as populações mais atingidas pela doença têm características específicas e configuram as minorias políticas (população negra, moradores de favela e periferias dos grandes centros urbanos, população LGBTI+, povos indígenas e população pobre) e também a adoção de posturas e discursos negacionistas por parte do governo federal, fundamentados na propagação de soluções sem comprovação científica e notícias falsas. 

Também são debatidos o grande volume inicial de doações, adequações de programas de organizações do investimento social, o ineditismo da mobilização da filantropia brasileira, estudos e pesquisas voltados a mapear tendências, doações e experiências para analisar os impactos gerados na sociedade brasileira e os efeitos nas OSCs, como enfraquecimento e diminuição significativa de acesso a recursos financeiros, mesmo que estas tenham desempenhado papel fundamental de conectar as doações às populações em situação vulnerável. 

Cases 

Ao todo, o texto apresenta seis cases: mobilização de lideranças e atores locais para atuar nas comunidades em Paraisópolis, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Rio contra o Corona: articulação em rede, Casa Nem: população LGBTI+ diante da pandemia, LabJaca: população negra e da favela fala, age e produz diante da Covid-19 e a atuação dos membros da Rede de Filantropia para a Justiça Social no enfrentamento à Covid-19. 

“Pudemos observar denominadores comuns entre os casos, como a capacidade de resposta rápida que as comunidades tiveram, justamente aproveitando suas potencialidades, ativos e conhecimentos. Na verdade, nada foi inventado. Essas dinâmicas já existiam. O que aconteceu foi o uso dessas redes e conhecimentos dos grupos de base e das OSCs nos territórios”, comenta Graciela, mencionando que o cenário também se aplica às organizações que compõem a Rede de Filantropia para a Justiça Social, que rapidamente se mobilizaram para o lançamento de editais, linhas de apoio e fundos emergenciais que facilitaram a chegada de recursos e doações na ponta. 

Na prática 

Uma análise das iniciativas permite depreender que a comunicação foi um campo de atuação relevante durante a crise. A APIB, por exemplo, observou o problema da subnotificação dos casos indígenas em dados oficiais, e, diante disso, vem realizando um levantamento independente. 

O LabJaca, laboratório de dados e narrativas na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, também investiu em comunicação para mostrar a subnotificação dos dados oficiais, bem como reforçar a potência de narrativas produzidas a partir do território.

Produzir comunicação a partir do olhar da população do próprio território abre um leque de possibilidades, desde valorizar as profissões dos moradores de comunidades e favelas brasileiras, bem como mudar a narrativa a partir do olhar de quem é do território. 

Mariana Galdino, co-fundadora do LabJaca, explica que o surgimento do laboratório deve-se à falta de protagonismo dos moradores de favelas nas agendas político-sociais e à importância de essas pessoas terem suas vozes ouvidas enquanto centro de ações em um movimento de reivindicação de direitos, além de trazer uma narrativa positiva do local onde vivem. 

“Quando realizamos ações e pesquisas que contam com a participação ativa dos moradores, seja a partir da geração cidadã de dados ou através de atividades culturais que contam com a participação desde a concepção, surge um movimento de identificação, pois passamos a nos encarar como parte do processo e sujeitos dessas narrativas”, explica Mariana. 

Para a ativista, a falta de dados condizentes com a realidade torna as políticas públicas ineficazes. Essa situação pode ser observada, por exemplo, no plano de vacinação nacional. “O último Censo é de 2010 e afirma que o Jacarezinho possui cerca de 37 mil habitantes. Hoje, em 2021, os moradores falam em torno de 80 mil pessoas morando na região. Ter esse tipo de informação é fundamental para articularmos respostas efetivas.” 

Quando levantamos dados dos casos suspeitos e confirmados no Jacarezinho durante as ações Jaca Contra o Corona e junto ao Painel Unificador Covid-19 nas Favelas, observamos diversos desdobramentos e pressões sobre as subnotificações dos dados públicos. Assim, conseguimos articular uma comunicação estratégica e atividades que buscavam mitigar esses impactos, dando embasamento para nossas reivindicações frente ao poder público”, completa Mariana.  

Saiba mais 

O artigo pode ser acessado na íntegra neste link

Leia as outras reportagens da série: 

–  O que a Pandemia nos Contou sobre Doar

–  Uso de Dados do Setor Social: Aprendizados na Pandemia e Caminhos para a Interoperabilidade


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