Trabalho infantil é problema multifatorial que exige agenda articulada e de longo prazo
Por: GIFE| Notícias| 12/06/2023Esta segunda-feira (12) marca o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002, data da apresentação do primeiro relatório global sobre o trabalho infantil na Conferência Anual do Trabalho.
De acordo com estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgada nesta segunda-feira (12), pelo menos 168 milhões de crianças são vítimas de trabalho infantil.
No Brasil, os dados são alarmantes. Para entender as principais causas e desafios, o GIFE conversou com José Humberto da Silva, professor titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e um dos diretores do Instituto Trabalho Decente.
GIFE: Quais os principais fatores que expõem crianças e adolescentes ao trabalho infantil?
J.H.S: Vivemos em um país colonizado, marcado pela escravidão. Assim, foi se concebendo uma lógica perversa sobre o trabalho enquanto espaço de constituição do sujeito. Esse verniz cultural concebeu a ideia de que trabalhar muito cedo é benéfico. Outro fator é a miséria, falta de oportunidade. Somos um país de 33 milhões em insegurança alimentar. Isso mostra o quanto o país é desigual, onde as pessoas precisam trabalhar desde cedo para sobreviver.
Uma série de marcos legais estabelecem legislações para o combate ao trabalho infantil. Ainda assim, no Brasil, em 2019, havia 1,8 milhão de crianças em situação de trabalho infantil de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Leis estabelecidas não são o suficiente para combater esse crime?
J.H.S: É um índice muito alto, mas existe uma subnotificação muito grande. O retrato pode ser muito pior. Temos um conjunto de leis fundamentais, mas que não dão conta porque é um problema estrutural, não conjuntural. A lógica da exploração é a estrutura da sociedade brasileira. Por ser um problema multifatorial, envolve várias políticas, articulações e o poder público nas suas diversas pastas. É muito comum em cidades do interior nos dias de feiras livres que crianças estejam carregando as compras em carros de mão. Muitas pessoas utilizam essa força de trabalho infantil porque acham natural, nunca refletiram sobre as consequências. É preciso campanhas para educar. Além disso, não adianta só multar o empregador, culpabilizar a família. É preciso inserir essas crianças em espaços formativos de desenvolvimento integral.
Como o Investimento Social Privado (ISP) pode contribuir no combate ao Trabalho Infantil?
Tem um provérbio africano que diz que é preciso uma aldeia para educar uma criança. O artigo 227 prevê que esse é um dever da família, da sociedade e do Estado. Então o setor privado é fundamental para pensar uma agenda de combate e prevenção do trabalho infantil. No entanto, esses atores precisam compreender o trabalho infantil dentro do contexto multifatorial. Existem muitas ações ingênuas sem compreender o problema. Achando que uma campanha só pode dar conta. É preciso pensar uma agenda articulada, dentro de uma perspectiva a longo prazo. Minha crítica a muitas organizações e institutos é quando encaram o trabalho infantil como um problema pontual que será resolvido com uma ação localizada a curto prazo.