O potencial transformador da filantropia independente

O último Censo GIFE apresentou um aumento considerável de valores investidos nos Fundos Independentes. Mas, o que são eles e o que os diferencia das demais práticas de investimento social? A edição deste mês do especial redeGIFE é sobre a Filantropia Independente. Conversamos com referências do setor para entender melhor o conceito, suas potencialidades, fragilidades e desafios.

De acordo com dados do Censo GIFE 2020, o total investido  em Fundos Independentes – aqueles que não são financiados por empresas ou famílias, mas mobilizam recursos de fontes diversificadas para doar para sociedade civil –  atingiu R$ 410 milhões, um aumento considerável em relação ao Censo de 2018, quando os investimentos chegaram a R$ 295,17 milhões.

Graciela Hopstein, coordenadora da Rede Comuá, explica que estes fundos também se caracterizam por uma estrutura de governança independente. Ou seja, a independência também está ligada ao poder de tomada de decisão sobre o trabalho, ao invés de uma empresa ou família. Em contrapartida, não há recurso garantido.

Para Giovanni Harvey, diretor executivo do Fundo Baobá, o crescimento da arrecadação dos fundos independentes se deve primeiro ao reconhecimento da legitimidade das demandas que embasam a criação desses fundos; e segundo à capilaridade e capacidade de fazer com que o recurso chegue na ponta, “muitas vezes alcançando instituições que nunca haviam acessado recursos da filantropia.”

“Fundações maiores têm um grau de exigência muito grande. O conhecimento da realidade e das dificuldades para fazer o recurso chegar na ponta é importante. Nem todo grupo tem CNPJ, tem condição de apresentar um cupom fiscal.”

ROSANE FERNANDES, da equipe de projetos e formação da CESE, aponta a relação de proximidade com a “ponta” como um dos diferenciais dos fundos independentes.

“Esses fundos colocaram na mesa o trabalho que vêm fazendo há 20 anos por esse vínculo horizontal e forte com os coletivos e organizações da sociedade civil, e não era reconhecido. Colocaram na mesa também o grantmaking, ou seja, investir em terceiros e não ter exclusivamente projetos próprios executáveis.”

AMÁLIA FISCHER, diretora geral do ELAS+ Doar para Transformar, chama atenção para a atuação dos fundos independentes durante a pandemia de Covid-19.

Letícia Born é gerente de programas da Co-Impact na América Latina, e acredita que o Brasil deveria ter cada vez mais fundos independentes, para que seja possível apoiar o fortalecimento da sociedade civil “num contexto de redução do espaço cívico e de erosão da democracia”. Isso porque, defende, conseguem chegar em coletivos que representam as populações que precisam estar no centro das decisões de políticas públicas, já que são as mais afetadas pela desigualdade da sua implementação. Ela atribui o aumento do investimento nesses fundos à uma maior consciência dos filantropos brasileiros, embora o investimento internacional ainda seja maior.

“Os fundos Independentes conseguem chegar em coletivos, movimentos e grupos formados pelas populações que realmente precisam estar no centro das decisões de políticas públicas, porque são as mais afetadas pela desigualdade de implementação das políticas públicas.”

LETÍCIA BORN, gerente de programas da Co-Impact na América Latina ao enfatizar a potência da atuação dos fundos independentes

Desafios

Entre os desafios colocados para esse modelo de filantropia está a sustentabilidade financeira e a relação com financiadores, aponta Harley Henriques, diretor executivo do Fundo Positivo.

 “Muitas vezes nos percebem como meros prestadores de serviços, não entendendo que é uma parceria entre financiador, fundo independente e movimento social.”

HARLEY HENRIQUES, diretor executivo do Fundo Positivo.

Graciela Hopstein lembra que a principal fonte de receita desses fundos ainda é a filantropia internacional. “O Brasil não tem uma cultura de doação estabelecida”, afirma, e atribui aos ataques à credibilidade das OSCs, que resulta na desconfiança dos financiadores. 

Outro fator que inviabiliza a parceria entre a filantropia local e os fundos independentes, ressalta Graciela Hopstein, é a agenda desses fundos pelo acesso a direitos de gênero, raciais e socioambientais. “São pautas incômodas para a sociedade. Nos dados do Censo, as minorias políticas não são o alvo mais importante do investimento social privado.”

Esse também é um fator observado por Rosane Fernandes. “Muitas vezes existem dificuldades no apoio à luta no campo político. Não o político partidário. Mas de apoiar a defesa da democracia, dos direitos humanos. Muitas vezes essas não são palavras muito tranquilas no diálogo com algumas fundações empresariais.”

“Não é papel dos fundos independentes atuar como facilitadores”

Na experiência de Amália Fischer, um dos desafios é a procura de empresas e institutos que reconhecem a importância do vínculo dos fundos com os coletivos que conhecem os territórios. “É um perigo muito grande que as empresas comecem a ver os fundos como atravessadores. Porque os fundos não ficam com grandes quantidades de recursos como faz um atravessador, eles ficam com o necessário para sustentar as operações, mas a maior parte dos recursos vai para as doações.”

Giovanni Harvey também chama a atenção para este ponto. “Não é papel dos fundos independentes atuar como facilitadores para a filantropia empresarial chegar na ponta”. O diretor do Fundo Baobá defende um compartilhamento de experiências, tecnologias e expertise pelo estabelecimento de parcerias e diálogo entre a filantropia empresarial e fundos independentes.

“Devemos evitar cair na tentação de enxergar os fundos independentes como prestadores de serviços da filantropia empresarial”

Para GIOVANNI HARVEY, diretor executivo do Fundo Baobá, é preciso que esses institutos estabeleçam um diálogo direto com os movimentos sociais. 

“O ideal seria fortalecer a parceria entre fundos independentes e filantropia empresarial. Assim, o investimento social estaria de alguma forma garantido em termos de eficiência e eficácia”, pondera Graciela Hopstein.  

Perspectivas

Para Giovanni Harvey, a filantropia independente tende a crescer, bem como o reconhecimento do seu papel estratégico no ecossistema da filantropia. O diretor do Fundo Baobá relata que há um interesse crescente de movimentos sociais de criarem novos mecanismos de financiamento. No entanto, defende a necessidade de uma análise realista de que nem todas as instituições e movimentos necessitam ou têm condições de estruturar um fundo.

“Os fundos entendem muito bem seu papel no sentido de que não se consideram os únicos protagonistas da transformação. Eles vêm trabalhando muito no fortalecimento da sociedade civil, e por consequência, da democracia.”

GRACIELA HOPSTEIN,  coordenadora da Rede Comuá, considera a filantropia independente uma dinâmica inovadora e um instrumento de defesa da democracia. 

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