Os futuros da filantropia negra e a distribuição justa de recursos

Como o futuro é ancestral, os homenageados do Mês da Filantropia Negra – BPM 2024 foram Martin Luther King e Nêgo Bispo. E foi olhando para trás, sem perder de vista o que vem pela frente, que atores do campo pensaram e refletiram sobre os caminhos para o reconhecimento e consolidação da filantropia negra, sobretudo no que diz respeito a uma maior equidade e justiça sociorracial

Pensar os futuros da filantropia negra é uma questão que tem mobilizado cada vez mais o investimento social privado (ISP) no Brasil e no mundo. Esse foi o tema que conduziu a abertura da 4ª edição do Mês da Filantropia Negra (Black Philanthropy Month – BPM 2024), realizada em Salvador (BA), cidade mais negra fora do continente africano. Caminhos possíveis para a transformação e reflexões para inspirar a construção de um futuro ancestral rumo ao fortalecimento de organizações negras no Brasil foram a tônica do BPM 2024. 

“A filantropia negra não é apenas sobre um mês, é sobre dar o presente tempo e voz, solidariedade e suporte moral”, destaca Jackie  Bouvier Copeland, fundadora e CEO do Mês da Filantropia Negra. O evento é um movimento global que começou nos Estados Unidos e acontece anualmente no mês de agosto. Pela 4ª vez, o GIFE trouxe o BPM ao Brasil.

“[É necessário] fazer com que institutos e fundações do Brasil, da filantropia ou do investimento social privado (ISP) sejam de fato brasileiros, que não pareçam ser de outros países. Para serem brasileiros, nos processos decisórios precisam estar compostos de maneira equânime com a nossa riqueza racial e de saberes”, defendeu Cássio França, secretário-geral do GIFE.

Dados do Censo GIFE 22-23 demonstram que a desigualdade racial é uma realidade nos espaços de decisão do ISP brasileiro. O levantamento concluiu que será necessário cerca de 60 anos para que todas as organizações respondentes tenham ao menos uma pessoa negra integrando seus conselhos deliberativos.

Caminhos ancestrais

Para Patrícia Kunrath, coordenadora de Conhecimento do GIFE, o BPM, além de expor tais realidades que necessitam de novas rotas, também fortalece o rompimento do discurso falacioso e racista de que não há lideranças negras capacitadas no campo filantrópico. “Esse espaço prova que essa conversa não é verdade. É o momento de fortalecer essas lideranças.” 

“O problema de estar nesse lugar de negação não é nosso, não fomos nós que nos colocamos aqui. Sempre criamos estratégias para estar em outros lugares, vivendo, sobrevivendo”, completou  Sônia Dias, integrante da Rede CAMMPI.

“Estamos aqui hoje pensando em como fazer esse projeto de Brasil, que destrói pessoas negras, dar errado (…) a filantropia é o exercício de oportunizar. Se a gente tem um estado omisso nas oportunidades, a sociedade precisa se organizar.”

ELIANA ALVES CRUZ, escritora

Justamente sobre oportunidades reflete Marcelle Silva, diretora de Sustentabilidade e Estratégias da Iniciativa Pipa. “Falar de filantropia negra é falar de liberdade e autonomia, ampliar o conhecimento de quem já atua nesse campo e de quem quer estar.”

Palavras que se materializam nas diversas organizações e grupos centenários que compõem a história da filantropia negra brasileira, como a Irmandade da Boa Morte, formada por mulheres de Cachoeira (BA), a organização tem mais de 200 anos e participou da abertura do BPM 2024 compartilhando sua história e saberes. 

“No século XIX, o conceito de filantropia seguia uma construção vertical muito branca. As irmandades, então, se apropriam dessa noção de filantropia, elas ajudam a gente entender o que nós chamamos hoje de filantropia negra”, explica o historiador Lucas Campos, que pesquisa outra organização centenária baiana, a Sociedade Protetora dos Desvalidos (SPD).

“Para construir o futuro é necessário olhar para essas construções do passado que de algum modo fazem com que a gente consiga recalibrar as rotas.”

LUCAS CAMPOS, historiador

Bebendo dessa fonte e abrindo caminhos de justiça no presente, o Instituto Rainha do Mar tem atuado na defesa dos direitos dos povos tradicionais pesqueiros e quilombolas em Acupe, na Bahia. 

Um dos exemplos é o “Mangue delas”, uma proposta de inovação de pesquisa de base comunitária que conta com tecnologias que podem ser replicadas em outros territórios negros do Brasil e do mundo. “O Instituto Rainha do Mar é uma organização que exporta tecnologia social”, demarca a diretora executiva do Instituto, Joelma Ferreira.

“Futuros da Filantropia Negra”

Para Patrícia Kunrath, coordenadora de Conhecimento do GIFE, o BPM, além de expor tais realidades que necessitam de novas rotas, também fortalece o rompimento do discurso falacioso e racista de que não há lideranças negras capacitadas no campo filantrópico. “Esse espaço prova que essa conversa não é verdade. É o momento de fortalecer essas lideranças.” 

“O problema de estar nesse lugar de negação não é nosso, não fomos nós que nos colocamos aqui. Sempre criamos estratégias para estar em outros lugares, vivendo, sobrevivendo”, completou  Sônia Dias, integrante da Rede CAMMPI.

“É preciso questionar os privilégios que regem o sistema filantrópico e sua cadeia de tomada de decisão. É preciso quebrar o pacto narcísico da filantropia.”

MANUELA THAMANI, co-diretora executiva do Observatório da Branquitude.

A fundadora do Instituto Afrofuturo, Morena Mariah, defende que são muitos os exemplos que revelam a capacidade estratégica da população negra de imaginar e construir o futuro com as próprias mãos. “Eu gosto do conceito de afrofuturismo como um recurso para discutir futuros a partir de perspectivas que não são as ocidentais, distópicas, destrutivas, colonialistas. É um bom começo de conversa.”

Valdecir Nascimento, fundadora do Instituto Odara e coordenadora do Brasil na Red de Mujeres Afrolatinoamericanas, Afrocaribeñas y de la Diáspora, externa que uma das mudanças que gostaria de ver no ISP é a presença de mais filantropos negros. “Por que eu tenho medo da narrativa sobre a filantropia negra? Porque falta dinheiro de negro para dar pra negro. Porque a gente não tem dinheiro”. Por outro lado, acredita que a filantropia praticada por financiadores brancos está sendo sensibilizada, no entanto, avalia que ainda em uma perspectiva de “favor”.

É preciso descentralizar

Um dos grandes desafios das organizações negras em acessar recursos é o cumprimento de uma série de entraves burocráticos, como a formalização através de CNPJ.

Para Jéssica Almeida, analista financeira da Fundação Grupo Volkswagen, essa precisa ser uma prioridade no debate sobre filantropia negra. “É um tema muito importante que limita muitas organizações que têm um potencial gigantesco. Tem valor sendo investido, porém não está sendo distribuído.”

Valdecir Nascimento acredita que a transparência na comunicação é um importante fator para enfrentar a problemática da falta de confiança dos investidores.

“Imprimimos uma ousadia na organização, porque não estávamos disponíveis a conviver com pessoas que desconfiavam da gente. Porque fazer filantropia para a comunidade negra, principalmente para mulheres negras, é complexo. Provocamos os meninos e meninas negras para fazer a transformação. Consequentemente, instigamos a filantropia para fazer a transformação.”

Para que essa transformação seja possível, existe outra prática que o ISP precisa superar, argumenta a fundadora do Odara: a centralização de recursos.

“Não queremos ganhar recursos sozinhas. Provocamos a filantropia todos os dias que o Nordeste sabe o que fazer e precisa de recursos para fazer. Por isso construímos a Rede de Mulheres Negras do Nordeste, com mais de 40 organizações.”

Diante desse quadro, Manuela Thamani afirma que um novo começo só é possível se falarmos de reparação. “A reparação nessa seara não se limita a uma discussão de compensação financeira, mas de um processo amplo e integrado de reconhecimento das injustiças cometidas, de valorização da cultura e de saberes negros e de povos originários e de construção de um futuro mais justo.”

REALIZAÇÃO

PLATINUM

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Expediente

Natália Passafaro
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Geovana Miranda
ANALISTA DE COMUNICAÇÃO

Afirmativa
REPORTAGEM/TEXTO

Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO


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