Com incentivo do Fundo BIS, Conectas e FGV lançam pesquisa sobre doadores de alta renda

Por: GIFE| Notícias| 13/05/2019

A causa dos direitos humanos é ampla e afeta cada aspecto em escalas diminutas da vida em sociedade. O Mapa das Organizações da Sociedade Civil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que cerca de 1,5 mil organizações da sociedade civil (OSCs) atuam na defesa de direitos de grupos e minorias no Brasil.

Assim como para a grande maioria das mais de 820 mil OSCs brasileiras, a captação de recursos e diversificação de suas fontes é um desafio também para aquelas que atuam com direitos humanos, considerando que o tema ainda gera resistência e não encontra eco na sociedade.

Por isso, compreender hábitos, motivações e interesses de uma parcela pouco explorada e estudada da população – os potenciais doadores de alta renda -, e responder como e por que esse público doaria para causas de direitos humanos foram os principais objetivos da Pesquisa Comportamental sobre Doadores de Alta Renda (PCDAR)também disponível na biblioteca Sinapse do GIFE.

A iniciativa da Conectas Direitos Humanos e do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG), da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) foi lançada  no dia 8 de maio, no Unibes Cultural. Financiado pelo GVPesquisa e pelo Fundo BIS – que em 2017 lançou seu primeiro edital para contribuir com a ampliação da cultura e do volume de doações no Brasil -, o projeto começou a ser discutido em 2016 a partir de questionamentos da Conectas.

Juana Kweitel, diretora executiva da Conectas Direitos Humanos, explica que o modelo de sustentabilidade das organizações, especialmente das que atuam com direitos humanos, vive um momento de transição. Como uma organização da área, a Conectas foi afetada e, a partir de 2015, passou a acionar outras estratégias para captação de recursos.

“Existem recursos no Brasil, mas os brasileiros não são suficientemente requisitados a doar para a causa de direitos humanos. Nesse cenário, muitas organizações começaram a se questionar como captar recursos a partir de três possibilidades: pequenas doações individuais, grandes doações individuais e doações de fundações brasileiras”, observou.

A diretora executiva da Conectas explica que um dos fatores pelos quais a organização decidiu manter a estratégia das pequenas doações é a necessidade de reportar suas ações e métodos à sociedade. “Nós sempre tentamos parecer muito técnicos e sofisticados, mas mudamos. Estamos em um esforço para sermos compreensíveis. Começamos a nos perguntar se haveria outra parcela da população junto à qual poderíamos captar.”

Metodologia e ferramentas de pesquisa

Como coordenador geral da pesquisa, Alexandre Abdal, integrante do CEAPG, explicou que uma de suas características é o levantamento junto a um recorte muito específico da população: os chamados potenciais doadores de alta renda que, nesse caso, foram categorizados como profissionais em meio de carreira, com renda mensal igual ou superior a R$ 30 mil.

Outro ponto que merece destaque é o fato de a pesquisa ser multimétodos. Isso significa que, para chegar a um recorte do público a ser investigado e levantar as informações necessárias, três diferentes estratégias foram utilizadas.  

A primeira foi a reunião de informações provenientes de bases de dados secundárias e públicas, como os Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda de Pessoa Física (GN-DIRPF) e a Relação de Informações Sociais (Rais), do antigo Ministério do Trabalho, atual Ministério da Economia. Essa análise ajudou a estimar e mapear os potenciais doadores de alta renda de acordo com quesitos sociodemográficos e ocupação profissional.

Uma segunda estratégia foi a realização de um único grupo focal em São Paulo, composto por seis participantes, tendo em vista o equilíbrio entre características referentes a gênero (três homens e três mulheres), idade (entre 43 e 56 anos), cor/raça (um homem negro) e ocupação (setor público, privado/mundo corporativo e profissionais liberais).

A terceira ferramenta utilizada foi uma pesquisa de opinião online com 348 respostas válidas. O questionário foi elaborado a partir de insumos do grupo focal e suas 40 questões foram divididas em blocos sobre práticas de solidariedade e doação, direitos humanos e informações socioeconômicas.

Resultados

Os achados da pesquisa mostram que, além de representar uma pequena parcela da população, esse público possui características muito específicas e diferenciadas de outros recortes populacionais. Em sua maioria, essa fatia é formada por homens, é mais madura (75% com 40 a 64 anos de idade), mais branca (mais de 80% se declarou como branco), reside majoritariamente nas regiões sudeste e centro-oeste do país e é mais escolarizada (86% possui ensino superior completo). Quando analisada sua ocupação, 42% desse público está empregado no setor privado, 31% no setor público e 25% são profissionais liberais.

O estudo revela que a concepção do senso comum de que essa camada da população doa pouco não é necessariamente verdade, uma vez que a mesma pratica diversas formas, inclusive simultâneas, de solidariedade. Além da doação em dinheiro, bens ou serviços para entidades e organizações da sociedade civil, doações de horas de trabalho e serviços, de sangue e para fundos temáticos constam na lista de práticas citadas.

Apesar desses dados refutarem o argumento de que não existe cultura de doação no Brasil, desde 2016 o Brasil experimenta um movimento de queda no CAF World Giving Index, ranking que mede o grau de solidariedade de nações ao redor do mundo. Na versão 2018 da lista elaborada e divulgada pela Charities Aid Foundation (CAF), o Brasil caiu 47 posições, saindo da 75ª, em 2016, para a 122ª na versão de 2017, de um total de 146 países.

Motivações, valores e formatos

No quesito motivações, além de verificar que os principais disparadores associados ao ato de doar estão relacionados à vontade de impactar a realidade social, fazer a diferença na vida das pessoas, busca de satisfação social ou retribuição de ajudas do passado, os pesquisadores também identificaram um duplo padrão de comportamento que se complementa. De um lado, estão doações realizadas de forma mais estruturada e com um caráter formal e impessoal, como repasses em dinheiro para OSCs. Do outro, estão contribuições menos estruturadas, com um apelo mais pessoal e informal, como, por exemplo, bolsas de estudos para filhos de funcionários.

Mesmo tendo como corte renda mensal igual ou acima de R$ 30 mil mensais, o estudo aponta uma grande variação entre os valores doados. Há poucas doações de valores altos e muitas doações de valores pequenos. Um exemplo: o valor doado em dinheiro para organizações ou entidades sociais por mais de dois terços dos respondentes do survey representa 1% ou menos de sua renda. “Apesar de serem muitas e variadas as práticas de doações, pode ser que não seja o cenário que gostaríamos. A notícia positiva é que há margem de ação, seja para essas pessoas elevarem os valores que doam, seja para que diversifiquem as formas de doação”, explicou Alexandre.

Também houve um certo nível de discrepância entre os meios de pagamento mais utilizados – dinheiro (38,8%), transferência (33,5%) e boleto bancário (33,2%) – e os preferidos – boleto bancário (52,8%), cartão de crédito (47,1%) e transferência (43,3%). Alexandre aponta essa como outra janela de oportunidade. “Se forem oferecidos os mecanismos preferidos de doação, existe a possibilidade de aumento das contribuições.”  

Além dos dois processos acima, também é muito importante trabalhar para convencer mais pessoas a doarem. Essa ação esbarra em um conceito descoberto como fundamental pela pesquisa: a confiança. Cerca de 20% dos respondentes do survey declararam não realizar práticas de solidariedade ou doação, tendo como principal motivo a falta de confiança nas organizações ou pessoas que pedem ajuda. Os três principais fatores que levariam essas pessoas a doar são: conhecer/passar a confiar, visualizar trabalho e alinhamento com valores pessoais.

O mesmo aparece entre aqueles que doam quando questionados sobre os motivos que os fariam interromper a prática de solidariedade. Mais de 90% dos respondentes afirmou que pararia de doar caso perdesse a confiança na instituição ou pessoa que pede ajuda. “O termo, portanto, se associa a duas ações. Uma é a construção da confiança, que deve ser feita a partir de estratégias de comunicação adequadas ou por indicação de familiares, amigos e colegas. A outra é a manutenção da confiança já existente, que pode ser promovida com transparência, gestão adequada de recursos, prestação de contas e geração e divulgação dos impactos da ação”, observou o pesquisador.

Desconhecimento em relação à causa dos direitos humanos

Mário Aquino Alves, professor da FGV-EAESP e coordenador do CEAPG, ressaltou a importância da pesquisa e de sua temática se considerado o momento que a sociedade brasileira está vivendo. Nesse aspecto, o professor apontou uma descoberta importante da pesquisa: a falta de conhecimento da população sobre o que são direitos humanos. “Não é só por conta de ideias pré-concebidas dentro de uma carga estereotipada, mas as pessoas não entendem que os direitos humanos fazem parte dos aspectos mais simples do viver e conviver em sociedade”, afirmou.

Alexandre complementou ao defender que apenas 8% dos respondentes desqualificaram abertamente o tema, pontuando entretanto que a pesquisa foi realizada com um grupo muito específico e, por isso, não representativo da sociedade brasileira. “Apesar de o tema gerar apreensão e resistência no início, discussões racionais, com associação ao conceito de dignidade, podem ser um caminho para ‘falar a língua’ de quase todas as pessoas nesse público específico, o que é uma notícia otimista.”

Recomendações

A partir dos achados do estudo, o CEAPG formulou uma série de recomendações para ajudar as organizações da sociedade civil que atuam com direitos humanos a iniciar ou aprimorar suas estratégias de captação de recursos entre os doadores de alta renda.

A primeira é promover uma conscientização sobre a temática de direitos humanos, tendo em vista o desconhecimento da população sobre o tema e sua abrangência. O estudo aponta que, apesar disso, a maior parte desse público não é indiferente às causas que podem ser associadas aos direitos humanos, como saúde, educação, discriminação de gênero e raça, entre outras. O já citado conceito de dignidade pode ser uma estratégia de ponto de partida na busca por associação a causas particulares. Outra opção são campanhas para desmistificar o tema.

A segunda recomendação propõe o desenvolvimento de ações de contato e comunicação específicas voltadas ao público do estudo. Nesse sentido, para promover o conhecimento da temática, das causas e até mesmo das organizações que compõem o campo, a pesquisa indica que é aconselhável ir na direção contrária de contato direto ou abordagens na rua (o chamado streetfundrasing), e apostar em estratégias que envolvam indicação de familiares e amigos. Isso porque, como as decisões sobre doação tendem a ser tomadas em família por indivíduos mais velhos, a pesquisa levanta a possibilidade de transformar doadores atuais em embaixadores entre amigos e familiares com o objetivo de trazer mais apoiadores e doadores para a causa dos direitos humanos.

Como terceira recomendação está a demonstração dos impactos tangíveis das atividades promovidas pelas organizações. Os doadores preferem saber mais sobre resultados de casos particulares e qualitativos de ações realizadas por uma determinada organização e como a vida de pessoas reais foi mudada, do que receber dados abstratos e quantitativos. Por isso, ‘colocar um rosto’ nos beneficiários de programas e ações com narrativas sobre suas histórias de vida pode ter mais impacto entre doadores de alta renda devido ao fato de que desejam, segundo a pesquisa, experienciar uma sensação de estar de fato causando um impacto positivo.

Por fim, o estudo recomenda a flexibilização nas formas de doação. Quase 53% dos respondentes do survey afirmaram não realizar planejamento financeiro para as doações. Nesse sentido, a pesquisa orienta que as organizações de direitos humanos levem em consideração as preferências por comunicação não insistente e direta e também os meios de pagamento preferidos desse público, de forma a diversificar os métodos de doação e tornar a experiência mais cômoda e flexível para um potencial doador.

Expansão da produção e do acesso a conhecimento

Outras duas motivações levaram a Conectas a encomendar a pesquisa. Uma delas foi a vontade da organização de que existam pesquisas científicas sobre doação no Brasil, o que não acontece atualmente.

A outra foi o desejo de produzir um estudo que pudesse ser amplamente disseminado. Segundo Juana, é comum que o conhecimento fique reservado e seja compartilhado somente entre captadores de recursos. “Esses dados não estão em publicações. Nós fizemos um esforço de produzir uma publicação e disponibilizá-la em um site, com uma base de dados que pode ser pesquisada, para tentar criar um campo científico e uma cultura de compartilhamento de informação sobre o tema”, ressaltou.


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