Conexão entre negócios de impacto e a cadeia de valor das empresas a partir dos ODS foi o tema do 8º Encontro da Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE

Por: GIFE| Notícias| 12/11/2018

À medida que os recursos financeiros provenientes das fontes tradicionais como governos, organismos internacionais, investimento social privado e filantropia mostram-se insuficientes, os investimentos de impacto despontam como uma oportunidade para ampliar o capital disponível para fomentar Negócios de Impacto que atuam na resolução de problemas em frentes como educação, saúde, serviços financeiros, cidades (moradia e mobilidade), tecnologias verdes (água, reciclagem, resíduos, energia, agricultura), cidadania (acessibilidade, segurança, emprego, gênero), entre outras.

A Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), expressa que para pôr o mundo em um caminho sustentável é urgentemente necessário tomar medidas ousadas e transformadoras. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) constituem uma ambiciosa lista de tarefas para todas as pessoas, em todas as partes do mundo, a serem cumpridas até 2030.

Na ocasião de seu lançamento, o então gerente para o setor privado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Marcos Athias Neto, afirmou que as empresas teriam papel fundamental na nova agenda da ONU para o desenvolvimento sustentável. Primeiro porque os recursos necessários para implementar a agenda são muito superiores aos recursos de assistência oficial de governos. E segundo porque a nova agenda traz elementos que falam diretamente para a essência do que é o setor privado, para a essência do negócio, como por exemplo, o ODS que fala de crescimento econômico e industrialização. Ou seja, a Agenda 2030 é muito mais apreciada pelo setor privado do que foram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

“Para o setor privado maximizar seu papel nesse processo terá de ir além da responsabilidade social corporativa. As empresas terão que buscar a convergência entre os elementos centrais do negócio e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, afirmou o gerente.

Pensando nisso, o 8º Encontro da Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE pautou o tema “Conexão dos negócios de impacto com cadeias de valor de grandes empresas: fomentando novos modelos de negócios e repensando/qualificando o próprio impacto a partir dos ODS”. Representantes de institutos, fundações e empresas; aceleradoras e incubadoras; empreendedores; e entidades de outros setores que compõem o ecossistema de Negócios de Impacto se reuniram no dia 05/11, na sede do Instituto Votorantim, em São Paulo, para explorar oportunidades de apoio e conexão das grandes empresas com o setor.

Investimentos de Impacto no Censo GIFE

Dados do Censo GIFE 2016 indicam uma aproximação gradual e exploratória de investidores sociais privados ao tema de Negócios de Impacto ainda marcada por muitas dúvidas e incertezas relacionadas a conceitos, questões jurídicas e formas de investimento. R$ 52 milhões foram aportados nessa temática em 2016, o que corresponde a 1,8% do orçamento total da base associativa do GIFE naquele ano (R$ 2,9 bilhões).

42% das 116 organizações respondentes do Censo afirmam atuar com negócios de impacto de diversas formas, especialmente via estratégias de formação e participação em redes. Quase um terço desses 42% investe mais de 5% de seu orçamento nesse campo. Entre os investidores que não atuaram junto a esse ecossistema, 32% manifestaram interesse em fazê-lo no futuro.

Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto

Em maio de 2014 foi criada a Força Tarefa Brasileira de Finanças Sociais, em 2018 renomeada como Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto. A Aliança surgiu a partir de uma mobilização promovida pelo Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e envolveu um grupo de trabalho composto por vinte organizações conectadas com o tema do Investimento de Impacto.

Durante o ano de 2015, esse grupo trabalhou para mapear e priorizar temas críticos e oportunidades para o crescimento do campo no Brasil e identificou quatro engrenagens que precisam ser impulsionadas em conjunto: 1. a ampliação da oferta de capital, 2. o aumento do número de Negócios de Impacto qualificados e com alto potencial de crescimento, 3. o fortalecimento das organizações intermediárias e 4. a promoção de um macro ambiente favorável para o Investimento de Impacto.

Para que essas engrenagens possam efetivamente contribuir para o fortalecimento desse ecossistema, a Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto definiu 15 recomendações prioritárias, com as respectivas sugestões de metas até 2020, e nomeou atores chave do campo que devem se envolver diretamente em sua realização.

Célia Cruz, diretora executiva do ICE, abriu os trabalhos do encontro com o panorama acima, referindo especialmente à Recomendação nº 05 – Cadeia de valor das empresas: A Aliança pelos Investimentos e Negócios de Impacto recomenda a empresários, executivos e membros dos Conselhos de Administração que assimilem e adotem o conceito e a visão de Negócios de Impacto como parte da estratégia de suas empresas e que solicitem a suas equipes ações práticas de incentivo a esses empreendimentos em seus planos de ação.

“O potencial de compra das grandes empresas e a perspectiva de inovação nas suas cadeias de valor têm muita sinergia com o campo de Investimentos de Impacto. Nós vemos aí uma oportunidade de alavancar muito mais capital para essa agenda”, observa.

A recomendação sugere que as empresas criem estratégias e políticas internas que viabilizem, até 2020, que 5% de suas compras corporativas sejam feitas de negócios de impacto.

Manual para grandes empresas

Em junho de 2017, 40 organizações se reuniram a convite da Aliança em um Laboratório de Inovação Social para discutir como engajar grandes empresas no campo dos Investimentos e Negócios de Impacto, partindo da premissa de que a participação de corporações é essencial para impulsionar esse ecossistema, tanto para benefício dos negócios de impacto – que demandam investimentos, mentorias e conexões com mercados -, quanto para as grandes empresas na qualificação da sua rede de parceiros, aceleração de seu processo de aprendizado e inovação e na forma como têm endereçado temas materiais estratégicos para o sucesso da sua operação.

A ação resultou no “Oportunidades para Grandes Empresas: Repensando a forma de fazer negócio e resolver problemas sociais”, um manual para líderes de grandes empresas atuarem com Negócios de Impacto. O material foi uma das soluções propostas pelos participantes do Laboratório como um documento de referência simples e direto para que líderes de grandes empresas entendam conceitos e informações desse campo e se mobilizem para identificar oportunidades e demandas internas de sua cadeia de valor para se conectarem a modelos de negócios que resolvem problemas sociais.

A produção do manual é uma iniciativa do ICE em parceria com o Sense-Lab em um esforço de cocriação que envolveu diversas outras pessoas e organizações.

“No final do dia, estamos repensando a forma de fazer negócio e resolver problemas sociais. E as grandes empresas têm interesse e um mandato a cumprir nessa mudança. Entender esse novo contexto e se conectar aos negócios de impacto pode ser uma vantagem competitiva para as organizações que precisam se adaptar e se reinventar para continuar gerando valor para seus acionistas, funcionários e para a sociedade”, diz trecho na introdução do manual.

Andreas Ufer, sócio-fundador do Sense-Lab, apresentou a iniciativa ao público do encontro e salientou que o documento é uma versão ainda em construção aberta ao debate e à contribuição de atores interessados nessa agenda para testar na prática os diferentes formatos de apoio entre as grandes empresas e os negócios de impacto.

Investimento de impacto e ODS

Tanto Célia, quanto Andreas, refletiram sobre as sinergias entre o campo das finanças sociais e do investimento de impacto e a agenda da ONU.

“Quando a gente olha para essa gramática dos ODS, percebemos uma linguagem muito mais sistêmica, integrada e colaborativa para a mensuração dos impactos. Trata-se de uma agenda que busca uma eficiência que nós do campo de negócios de impacto também estamos buscando. Se as empresas e os governos estão olhando para os ODS, nós também temos que olhar e entender como os negócios de impacto estão respondendo a esses indicadores”, ressalta a diretora do ICE.

Andreas, por sua vez, aponta que os contextos social e ambiental estão cada vez mais influenciando a performance das empresas. Tanto questões ambientais – que envolvem ecossistema, mudanças climáticas e exaustão de recursos naturais -, quanto questões sociais relacionadas a educação e desigualdades. Frente a isso, cada vez mais a sociedade espera do setor privado uma atitude coerente e proativa em relação a essas questões. “Não basta mais gerar recursos financeiros pelos recursos financeiros. As empresas são chamadas a desempenhar um papel mais ativo nas grandes questões da sociedade.”

Por meio de um esquema do físico austríaco Fritjof Capra, Andreas traça um paralelo entre a atuação das empresas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

“As organizações são compostas por indivíduos, que agem dentro dos sistemas econômicos, que estão inseridos em sistemas sociais, que, por sua vez, estão inseridos em sistemas naturais. Ignorar esses dois é um erro. Muitas vezes, a gente se perde na discussão de como gerar riqueza, como aumentar o resultado trimestral, como aumentar o PIB do ano, só que as organizações e os sistemas econômicos impactam os sistemas sociais e naturais. A questão é que impactos a gente quer gerar e que impactos queremos reduzir. A grande questão para as empresas que são chamadas a ser protagonistas é como gerar algo relevante e positivo para a sociedade nessas esferas.”

Para Andreas, as 169 metas da Agenda 2030 podem ser divididas no mesmo esquema de Capra: sistemas naturais – biosfera, água, mudanças climáticas, biodiversidade -, questões sociais, como educação e desigualdade, e questões econômicas, como inovação, emprego e consumo responsável.

“Dá para pensar os impactos das empresas nessas três esferas pensando nos ODS. Dá para pensar que impactos eu estou gerando economicamente, nos sistemas sociais e nos sistemas naturais pensando em minimizar os impactos negativos e aumentar os positivos. E a Agenda 2030 reconhece o protagonismo da iniciativa privada na resolução dos problemas sociais e ambientais”, explica.

Programa Redes

Filippe Barros, analista de Gestão de Programas do Instituto Votorantim, dividiu com os presentes alguns aprendizados da instituição com a interlocução entre o Programa ReDes e a cadeia de valor do Grupo Votorantim.

Criado em 2010, o programa é uma parceria com o BNDES para estimular a geração de renda e a melhoria das condições de trabalho por meio do apoio técnico e financeiro de negócios inclusivos economicamente viáveis no médio e longo prazo a fim de reduzir a pobreza em municípios onde a Votorantim está inserida. O público da iniciativa são populações de baixa renda organizadas em cooperativas e/ou associações situadas em localidades com baixos indicadores econômicos e alta vulnerabilidade social. Com isso, o Instituto Votorantim quer promover uma dinamização da economia local a fim de diminuir a dependência das localidades em relação à atuação das empresas do Grupo.

“A gente entende que onde a Votorantim tem uma presença a gente proporciona um crescimento econômico. Mas, nós, como Instituto Votorantim, trabalhamos para fazer com que esse crescimento seja mais do que isso, seja de fato um desenvolvimento socioeconômico nas comunidades, e isso pautado muito nos ODS”, observa o analista.

Desde 2012, o programa já apoiou 64 negócios, quase duas mil famílias em 34 municípios, com mais de R$ 30 milhões, gerando R$ 27 milhões de renda acumulada até o final de 2018.

Filippe explica que frente a um dos principais gargalos do programa – vendas e acesso a mercado -, o Instituto passou a analisar como poderia potencializar o resultado dos negócios apoiados, tornando-os cada vez mais sustentáveis e ao mesmo tempo ampliando a geração de valor para as empresas do Grupo Votorantim localizadas nas comunidades apoiadas.

“A solução encontrada foi atrelar esses negócios à cadeia de valor do Grupo”, conta.

Atualmente, um desses projetos está em curso em Sobral, no Ceará. O Instituto está estruturando uma associação local para realizar o processamento do babaçu em duas frentes: produção do óleo de babaçu e venda do babaçu inteiro para a Votorantim Cimentos para substituição do coque em seu processo de produção.

O projeto prevê uma renda de R$ 132 mil reais em seu primeiro ano, quase 900 mil reais no quinto ano e uma renda acumulada do primeiro ao quinto ano de quase R$ 2 milhões.

“A unidade da Votorantim Cimentos em Sobral está localizada na região da Serra da Meruoca, riquíssima em babaçu e uma região com diversos desafios sociais, econômicos e ambientais. Trata-se de um público bastante vulnerável que pode ser muito impactado por um projeto de geração de renda.”

Filippe explica que a experiência demandou uma série de especificidades relacionadas a gestão interna como flexilibilização dos processos, da meta da planta e ainda de formatos de pagamento padrão da Votorantim Cimentos.

“Colocar a sustentabilidade do negócio apoiado acima das regras da empresa foi fundamental para conseguirmos viabilizar o projeto que vai beneficiar a comunidade, mas também a própria Votorantim.”

O analista conta que o Instituto já está avaliando um próximo projeto desse tipo com foco em negócios relacionados a reciclagem.


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