Consensos básicos e experiências cotidianas são caminhos para a comunicação de causas, aponta estudo

Por: GIFE| Notícias| 05/10/2020

A ideia de que a sociedade atual experimenta um momento de falta de ordem e “decadência moral generalizada” em diversos âmbitos e setores – desde o familiar até o público e também em escolas e na política – foi uma das principais descobertas da pesquisa O Conservadorismo e as Questões Sociais, realizada pela Fundação Tide Setubal em parceria com o Plano CDE. Alguns achados do estudo, que se dedicou a compreender os valores, anseios e preocupações de grupos nomeados “conservadores médios” – definidos como brasileiras e brasileiros não radicais de “classe média” – inspiraram a publicação Comunicação de Causas – Reflexões e Provocações para Novas Narrativas, uma iniciativa da Fundação Tide Setubal com apoio do Instituto Alana e Rede Narrativas.

A comunicação foi identificada como um dos principais desafios para o campo progressista, que desconhece e tem dificuldade de dialogar com pessoas conservadoras moderadas, definidas pela pesquisa como aquelas com as quais é possível estabelecer pontes de diálogo. Essa especificação é importante, uma vez que os indivíduos dentro desse grupo se mostraram abertos a algum tipo de diálogo, como explica Fernanda Nobre, gerente de comunicação da Fundação Tide Setubal.

“Na pesquisa de campo, as pesquisadoras sentiram que existem pontos sobre os quais é possível promover uma conversa. Considerando que essa abertura existe, começamos a refletir sobre o fato de que existia alguma coisa em nossa narrativa que não estava funcionando para promover esse diálogo”, reforça. 

Dessa forma, o objetivo da publicação é apoiar organizações da sociedade civil (OSCs) e do investimento social privado (ISP), movimentos sociais, grupos e coletivos, especialmente os comunicadores desses setores, a refletir sobre desafios e práticas da comunicação. 

As diferentes práticas de comunicação 

A publicação foi pensada a partir de entrevistas com especialistas e de um workshop com comunicadores. Nessas ocasiões, foram apontadas algumas características das práticas de comunicação do campo conservador e do campo progressista. O primeiro adota uma “narrativa moralista forte”, como afirma a pesquisa, usando termos e ideias generalistas, como “situação de corrupção generalizada”, por exemplo. Ainda, usa o contexto de desafios sociais para incentivar adesão a seus discursos e posições, promove descrédito de fontes de informações tradicionais, como a imprensa e centros de pesquisa, além do fomento à polarização e ódio. 

O campo progressista, por sua vez, tem a tendência de iniciar suas comunicações expondo como gostaria que o mundo fosse, o que pode ser um dificultador para que a narrativa alcance públicos externos. Fernanda afirma que a linguagem utilizada foi um ponto de atenção desde o estudo sobre conservadorismo. 

“O campo conservador médio coloca a forma como falamos [campo progressista] das nossas causas no âmbito do ‘vitimismo’ ou da ‘lacração’. Narrativas principalmente relacionadas a gênero e raça são identificadas como vitimismo porque os conservadores têm uma leitura de que essas pessoas acabam sendo privilegiadas pelo sistema de cotas, por exemplo, além deles próprios se reconhecerem em um lugar abandonado pelo Estado. Por outro lado, somos colocados em uma posição de arrogantes quando afirmamos que os conservadores não entendem sobre o que falamos ou que não podem pensar do jeito que pensam”, explica. Sobre este último ponto, a pesquisa observa que práticas como infantilizar ou inferiorizar pessoas com visões diferentes e usar uma linguagem elitizada e excessivamente racional contribuem para uma ideia de superioridade. 

Motivos para a dificuldade de diálogo 

A pesquisa também aborda as dificuldades de debate e conversa em contextos de radicalismo político-ideológico, reforçando que a divergência de opiniões não é um problema em si, mas sim a binariedade e polarização, ou seja, o certo versus o errado, o bom versus o ruim. A intransigência desse tipo de pensamento impossibilita que pessoas e grupos que pensam diferente possam trocar ideias, escutar e serem escutados.  

“Para uma pessoa orientada por um conjunto de valores diferentes aderir a uma nova ideia, ela precisa se sentir entendida e respeitada. E o contrário também pode acontecer: se a pessoa não se sentir apreciada e incluída na comunicação, é possível que se fortaleça uma percepção de rejeição e que o diálogo ou conexão com uma causa dificilmente aconteça. Essa ideia se baseia no reconhecimento da necessidade básica do ser humano de se sentir valorizado e incluído para, então, iniciar um diálogo”, diz trecho do documento. 

Outros aspectos e características sobre os comportamentos sociais também são abordados pelo estudo: na maioria das vezes, pessoas conversam para concordar ou discordar umas das outras, além da dificuldade de escutar ativa e empaticamente, o que prejudica compreensões e conexões mais profundas. O medo de julgamento também se faz presente e as relações ficam ainda mais desgastadas no âmbito virtual, onde atitudes como cancelamento, julgamento e agressões verbais são comuns em caso de discordância. 

Possíveis caminhos para uma comunicação mais qualificada 

O material reforça que não se trata de um guia ou conjunto de respostas diretas para problemas complexos. “Nós sabemos que cada instituição precisa se apropriar disso, saber quais são os seus limites e as oportunidades. É uma provocação para esse exercício de pensar as possibilidades de comunicação de acordo com a ‘régua’ que cada instituição pode usar”, explica Fernanda. 

Além disso, a gerente reforça que o material aponta reflexões que podem ser realizadas em qualquer âmbito, desde o diálogo sobre causas com quem pensa diferente até dentro do próprio campo progressista. “É um exercício para todo mundo tentar adotar essa postura de diálogo e praticar isso no dia a dia, tanto no âmbito institucional, como fora dele. Se as pessoas não têm essa postura individualmente, dificilmente terão em outros espaços.” 

O último bloco da pesquisa discute possibilidades de mudança, inclusive com novas abordagens, posturas e estratégias de comunicação que podem potencializar o diálogo com grupos conservadores. A ideia é que o documento possa inspirar outras jornadas de comunicação e diálogo no campo democrático. 

Para Fernanda, um primeiro passo é cada um se colocar em uma posição de ouvinte realmente interessado e não de tentativa de convencimento do outro. Muito mais do que partir de ideias pré-concebidas atreladas a cada um dos grupos, deve-se conhecer o lugar da outra pessoa. 

Outra estratégia que pode render frutos é buscar pontos de partida usando consensos e valores compartilhados. “A ideia é observar e desmembrar a causa em uma tentativa de encontrar caminhos de diálogo a partir de pontos que fazem sentido para os dois grupos”, afirma Fernanda. Ela usa o racismo e a violência contra a mulher para exemplificar que se tratam de vidas humanas perdidas para a violência. A conexão com temas concretos e vivências cotidianas das pessoas, possibilitando que as mensagens encontrem mais aderência, é mais um caminho. 

Independente do método adotado, Fernanda reforça a importância da atenção redobrada à comunicação, considerando a necessidade de discursos adaptados aos diferentes tipos de públicos receptores das mensagens. “Não podemos pensar que a comunicação para o investimento social privado será a mesma para o território. Então, é essa reflexão sobre segmentar a narrativa, identificando qual é o chamado que devemos fazer para cada grupo, qual linguagem usar para essa conversa e o que queremos de cada um dos nossos públicos. É um exercício importante, que leva tempo e demanda recursos, mas devemos entender que vamos falar de jeitos diferentes para públicos distintos e usando canais diversos.” 

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