GIFE participa de simpósio americano que debateu o futuro da filantropia familiar

Por: GIFE| Notícias| 17/09/2018

Nos dias 13 e 14 de setembro o GIFE participou do Simpósio do 20º Aniversário do National Center for Family Philanthropy (NCFP) cujo tema foi “Imagining the Future of Family Philanthropy” (Imaginando o futuro da filantropia familiar,em português).

Além de celebrar o 20º aniversário da instituição, os dois dias de evento foram marcados por debates sobre os principais temas, tendências e perspectivas do setor da filantropia familiar nos Estados Unidos.

A partir de uma multiplicidade de visões, o evento se propôs a abordar os desafios e as potencialidades do setor, refletindo sobre como o investimento social familiar precisa se adaptar ou pode dialogar com as mudanças que estão acontecendo no mundo. Quatro plenárias somadas a uma diversidade de atividades em diversos formatos – mesas e painéis – compuseram a programação do evento.

Uma grande plenária abriu os trabalhos no dia 13/09. Sob o título “Shaping the Future of Family Philanthropy” (“Moldando o futuro da filantropia familiar”, em português), a atividade reuniu dez lideranças com perfis e experiências muito variadas para uma discussão sobre as tendências que marcam o universo das fundações familiares a partir de perspectivas de negócios, governo, organizações sem fins lucrativos, ciências e outras.

No dia 14/09, a plenária “Philanthropic Leadership for a Rapidly Changing World: A Generational Perspective” (“Liderança filantrópica para um mundo em rápida mudança: uma perspectiva geracional”, em português) reuniu duas gerações de lideranças do setor para discutir como a filantropia familiar pode dialogar com as mudanças do século 21 a partir da atuação intergeracional.

“O GIFE está participando pela primeira vez de um seminário do National Center for Family Philanthropy, uma organização muito similar ao GIFE, mas focada somente no investimento social familiar. Viemos com a expectativa de aprender em um país que tem esse perfil da filantropia super desenvolvido e entender como podemos contribuir para fomentar esse setor no Brasil, porque entendemos que existe um enorme potencial. As fundações familiares têm um papel muito importante aqui porque elas são muitas e estão presentes em todo o país”, observa Erika Sanchez Saez, gerente de programas do GIFE.

Quatro lideranças brasileiras do campo do investimento social privado estiveram presentes no evento: Beatriz Johannpeter, ex-presidente do Conselho de Governança do GIFE e ex-vice presidente do Instituto Gerdau; Flávia Feliz, coordenadora acadêmica do Instituto Legado; Paula Galeano, superintendente da Fundação Tide Setubal; e Inês Mindlin Lafer, diretora do Instituto Betty e Jacob Lafer.

Panorama da filantropia familiar nos EUA e no Brasil

O cenário americano de fundações familiares é muito vasto. Estudos recentes ajudam a traçar um paralelo entre o panorama americano e o brasileiro sobre o campo.

Pesquisa realizada pelo NCFP sobre tendências das fundações familiares americanas com a participação de 341 instituições apontou um amplo crescimento das fundações nos últimos anos, passando de 29 mil organizações em 2002 – e um total doado de 12 bilhões de dólares – para 42 mil fundações familiares em 2013, com 23,9 bilhões de dólares doados.

O estudo mostra que 70% dessas fundações foram criadas depois de 1990. Destas, 70% têm ativos inferiores a 10 milhões de dólares e apenas 3% têm ativos superiores a 200 milhões de dólares.

Dados do “Censo GIFE” e da pesquisa “Retratos do investimento social familiar no Brasil” fornecem um panorama brasileiro sobre o setor. O grupo de fundações e institutos familiares é bastante heterogêneo e está em amplo processo de crescimento na rede GIFE. O número saltou de oito, em 2008, para 22, atualmente. Do total de 2,9 bilhões de reais investidos pelos associados em 2016, 334 milhões são de fundações familiares.

Assim como nos EUA, as organizações são novas: 47% delas foram institucionalizadas entre 2001 e 2010.

Em relação à forma de atuação, 79% são executoras de projetos ou tem caráter híbrido (executam e doam) e apenas 21% são principalmente doadoras. Outra característica marcante dessas organizações é a colaboração: 68% participaram de iniciativas em parceria com outros investidores sociais e 63% têm programas que procuram influenciar ou apoiar a construção de políticas públicas nos temas e territórios, com destaque para educação, assistência social e defesa de direitos.

Debates globais

Para Erika, chamam atenção diversas similaridades entre questões discutidas ao longo do evento com debates travados no contexto do investimento social privado brasileiro. “Muitas das questões que apareceram aqui como desafios e oportunidades da filantropia familiar americana são parecidas com os debates, reflexões e potenciais que a gente tem identificado e vem refletindo no âmbito do GIFE, seja nos congressos, redes temáticas e outros espaços de articulação que fomentamos. Então, a gente percebe que existe um olhar global, uma agenda global de desafios compartilhados.”

Algumas dessas discussões dizem respeito, por exemplo, à relação entre as fundações e as comunidades, o papel da filantropia no universo do impact investing, no contexto americano, e do investimento social privado, no brasileiro, para o fortalecimento do ecossistema de negócios de impacto socioambiental, bem como ao papel da filantropia na atualidade e como esse papel evolui e dialoga com o contexto atual.

Olhar para o território

Um dos debates mais relevantes ao longo de todo o simpósio, tanto nas plenárias, como nos painéis, se refere à relação das fundações familiares com o território, visto que muitas delas atuam nas comunidades onde a família nasceu e/ou vive. Essa relação com a comunidade, com as organizações beneficiadas, costuma ter um componente emocional muito forte.

Ebonie Johnson Cooper, fundadora e diretora executiva do Young Black & Giving Back Institute, ressalta a importância de fazer filantropia com as comunidades em vez de para as comunidades. “Existe uma diferença quando você trabalha com as comunidades as entendendo, engajando, o que significa garantir representatividade no seu conselho, na sua equipe. Quando você investe na construção dessas relações, você não está somente financiando a comunidade, mas construindo um relacionamento real com ela.”

Realizado pelo NCFP, o estudo “Pride of Place” investigou três aspectos sobre as fundações familiares de base comunitária (que tem atuação no território): governança, família e aspectos programáticos. A pesquisa foi conduzida a partir de entrevistas individuais. Pelo menos 50% dos entrevistados foram membros das famílias, mas a iniciativa ouviu também as equipes executivas das fundações.

O estudo foi tema do painel homônimo onde Virginia Esposito, fundadora e presidente do NCFP, dividiu com os participantes um pouco do processo de escuta realizado ao longo do último ano.

Entre os achados da pesquisa estão aspectos como a diversidade do setor, os conflitos familiares e a necessidade de enfrentá-los para o sucesso da atuação filantrópica, bem como os desafios da intergeracionalidade.

Para Virginia, nas relações e diálogos entre as diferentes gerações, respeito é muito importante. “Os mais velhos esperam que as novas gerações entendam profundamente porque as coisas foram feitas daquela maneira até agora e reconheçam o valor disso. Então se pode introduzir novas propostas a partir de um olhar mais voltado a premissas como tecnologia e inovação. Também é importante olhar para as novas gerações pensando como esse grupo pode ajudar na construção do legado da família, como eles se somam nesse legado. Isso muda a conversa.”

Intergeracionalidade

Erika observa que a intergeracionalidade, que abarca conflitos e questões que surgem a partir da entrada das novas gerações, é uma questão bem específica da filantropia familiar.

“Esse conflito intergeracional da velha forma de fazer versus a nova forma de fazer carrega tanto a potência e a riqueza de ter diferentes gerações trabalhando juntas, quanto os conflitos e o quanto essa relação não é simples, nem óbvia. Esse é um debate que a gente também começa a trazer para os encontros sobre investimento familiar no Brasil.”

A gerente de programas observa ainda que o debate passa tanto pelo aspecto da governança – já que é desafiadora a avaliação acerca do momento de entrada das novas gerações e saída dos mais velhos das estruturas formais, como os conselhos de governança -, quanto por questões relacionadas ao foco de atuação.

Amy Hart Clyne, diretora executiva da Family Office Exchange (FOX), analisa que é muito importante garantir esse intercâmbio entre as gerações “Os mais velhos têm princípios sólidos como segurança e força e, por sua vez, as gerações emergentes trazem uma enorme energia e senso de comprometimento.”

Para a superintendente da Fundação Tide Setubal, Paula Galeano, é preciso encontrar formas de trabalhar a fim de manter a unidade dos propósitos e valores através das gerações. “Acho que isso é um elemento que a gente fala pouco no Brasil. Poderia ser mais explorado”, defende.

Ela destaca ainda o olhar das novas gerações para um investimento mais colaborativo via endowments. “As novas gerações apostam na junção de recursos de diferentes famílias e doadores para fazer o recurso chegar mais na ponta. Eles trazem o olhar de que atuando juntas a partir desses fundos compartilhados, essas fundações comunitárias poderiam atacar questões mais sistêmicas.”

Equidade racial

Questões de equidade, sobretudo de gênero e raça, também apareceram com força durante o simpósio.

Erika observa que nesse âmbito, mais uma vez, há muita similaridade com os debates no contexto nacional. “A fala de que isso precisa ser central, atravessar tudo e que tem a ver com a estrutura da desigualdade apareceu muito. Surgiram reflexões que a gente começa a fazer no Brasil como ‘você quer trabalhar a questão racial, você precisa olhar para sua equipe, para o seu conselho, para quem está tomando as decisões’. Nesse âmbito, uma diferença entre o contexto americano e brasileiro diz a respeito à extensão desse tipo de pergunta também para as organizações apoiadas. Já que o modelo do investimento social privado americano é de grantmaking, existe uma preocupação crescente de que as organizações que recebem as doações também incorporem questões de diversidade, transparência e governança, por exemplo”, explica.

O assunto foi tema do painel “Equity, injustice, philantropy” (“Equidade, injustiça e filantropia”, em português).

O debate evidenciou exemplos de ferramentas que têm sido utilizadas pelas fundações para sensibilizar suas equipes e os tomadores de decisão tais como jornadas de aprendizagem com o conselho – que proporcionam a aproximação entre os tomadores de decisão e as comunidades e especialistas e dados acadêmicos sobre o problema -, além de treinamentos sobre diversidade e equidade.

O painel suscitou ainda discussões centradas no papel do advocacy para mudanças na legislação a fim de incidir sobre as estruturas que, de alguma forma, contribuem para perpetuar as injustiças econômicas e sociais.

Avaliação

O debate sobre volume de recursos transferido versus mensuração dos resultados também teve lugar durante o simpósio. A pergunta feita pelos investidores parece ser: ‘o que está faltando é investir mais recursos ou precisamos rever a forma como estamos investindo?’. Para Erika, a questão dialoga com uma discussão muito presente no Brasil que é sobre avaliação de impacto. “Quando e como avaliar, quais devem ser as expectativas em relação à avaliação, o que significa ter impacto?Essas são perguntas que estamos fazendo. Para medir impacto é preciso pensar em longo prazo. A gente não consegue impacto, nem medir impacto no curto ou no médio prazo”, observa.

Para Mary Mountcastle, administradora da Mary Reynolds Babcock Foundation and Z. Smith Reynolds Foundation, as fundações têm que ser mais cuidadosas com suas expectativas em relação ao montante de recursos que doam e ao impacto que esperam. “Não é justo doar pouco recurso e esperar grandes resultados. Se espera muito das organizações apoiadas, enquanto os recursos são majoritariamente dirigidos para a ação programática. Se investe muito pouco na capacitação das equipes e se quer medir impacto, se quer ver resultado. Isso é um pouco incoerente. Também é preciso considerar que altos impactos levam muitos anos para acontecer.”

A administradora destaca que frequentemente espera-se que um avaliador externo ou alguém da academia avalie a comunidade e essas pessoas muitas vezes têm objetivos que não são necessariamente aqueles propostos pela comunidade. “Isso não é justo, especialmente porque não damos a eles o recurso suficiente. Se você doa um milhão de dólares e espera uma avaliação de grande impacto é justo, mas se você doa cinco ou dez mil dólares e espera isso, não. Como fundações, nós temos que garantir condições de sustentabilidade financeira para as organizações e comunidades que apoiamos”, defende.

Tecnologia e filantropia

A mesa “Tech Tools for More Effective Philantropy” (“Ferramentas tecnológicas para uma filantropia mais eficaz”, em português) trouxe o debate acerca da interface entre o campo da filantropia e as novas e diferentes formas de medir o impacto, rastrear recursos e resolver problemas através da tecnologia.

Sheri Sobrato Brisson, fundadora do projeto Digging Deep, dividiu sua história de luta e superação de um câncer cerebral quando jovem. Essa experiência rendeu um livro que posteriormente deu origem a um aplicativo, o Shadow’s Edge, com a finalidade de disseminar apoio a crianças e jovens com câncer.

Aude Anquetil, vice-presidente de desenvolvimento e engajamento da Epic Foundation, compartilhou uma experiência que teve origem com um projeto de coleta de dados na África. Os dados eram enviados a pesquisadores para análises de impacto bastante complexas e demoradas. Aude então desenvolveu uma tecnologia a fim de tornar o processo mais ágil e eficiente. A inovação proporcionou ainda maior envolvimento das comunidades tornando as pessoas do território coletores de dados.

Foi possível para Flávia Feliz, coordenadora acadêmica do Instituto Legado, fazer conexões entre os cases que ilustraram o painel com a trajetória do Instituto, cuja missão, segunda ela, é levar o empreendedorismo para o social e o social para o empreendedorismo.

“No Instituto Legado, a gente também usa a tecnologia e algumas plataformas para mensuração e avaliação de impacto. Temos um trabalho muito forte de educação à distância tratando do tema do empreendedorismo social para impacto coletivo. Também tem bastante coisa de ‘gameficação’ e a tecnologia vem para conseguir escalar e alcançar cada vez mais pessoas, para formação de comunidades e para facilitar o acesso a informação, tanto dos beneficiários e usuários, quanto das próprias organizações que estão por trás.”

Para Beatriz Johannpeter, ex-presidente do conselho do GIFE e ex-vice presidente do Instituto Gerdau, certamente muitas outras oportunidades surgirão. “Esse é um mundo que está se abrindo e provavelmente nós vamos nos organizar de diferentes formas no futuro em função das possibilidades que a tecnologia nos oferece.”

Outros temas pertinentes à filantropia familiar

Muitos outros temas foram debatidos ao longo dos dois dias de evento, entre os quais advocacy e o papel da filantropia para propor, alavancar e aprimorar políticas públicas; a relação do setor com a comunicação tanto como foco do investimento, quanto como estratégia de atuação e articulação; mudanças climáticas; a influência de fundações mais recentes protagonizadas por imigrantes, refugiados e seus descendentes na forma de atuação do setor; bem como aspectos vinculados ao âmbito individual como liderança e visão de futuro.


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