Grupo de discussão aborda ITCMD
Por: GIFE| Notícias| 09/11/2017Com o objetivo de abordar os diversos aspectos e desafios em relação ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o grupo de discussão do projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil realizou novo encontro no dia 07 de novembro.
O evento, realizado na sede do Instituto Ayrton Senna, reuniu advogados, representantes de organizações da sociedade civil e outras associações que trabalham com o tema. O grupo recebeu informações sobre o processo de alteração na legislação do ITCMD no estado de São Paulo e sobre as legislações em tramitação em nível federal relacionadas ao tema, que fundamentaram o debate ao longo da manhã.
O ITCMD é um imposto de competência dos estados e do Distrito Federal, aplicado sobre a transmissão das heranças e doações de bens ou direitos a pessoas ou organizações – não distinguindo as doações de interesse público das doações de interesse privado.
Na prática, cada estado opera sob regras próprias, o que gera uma diversidade bastante grande no que diz respeito aos valores de percentuais das alíquotas, bases de cálculo, definição dos contribuintes responsáveis, hipóteses de isenção e procedimentos para a sua fruição.
O caso de São Paulo
Juliana Ramalho, do escritório de advogados Mattos Filho, e Dora Silvia Cunha Bueno, da Associação Paulista de Fundações (APF) descreveram as alterações obtidas junto à legislação do ITCMD no estado de São Paulo, fruto de longo processo iniciado em 2012, no qual as duas estiveram envolvidas desde o princípio.
“A legislação de São Paulo, antes da alteração que articulamos, dizia que para ter reconhecimento de imunidade as organizações da sociedade civil precisavam ter o CEBAS*. Muitas organizações não tinham, porque eram OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Fomos tentando junto à Secretaria da Fazenda do Estado para conseguir imunidade com o título de OSCIP. Conseguimos alguns. E tinha a questão do prazo. Quem entra com pedido de isenção sabe que é preciso lidar com papelada o tempo todo. E tinha o requisito do IPVA – imposto, que para conseguir imunidade era preciso um título de utilidade pública estadual que era conseguido na Assembleia Legislativa, e isso não tinha o menor sentido. Precisávamos de um título alternativo”.
A atuação junto à Secretaria da Fazenda do Estado e parceiros conseguiu ampliar a possibilidade de comprovação de reconhecimento de imunidade por meio de qualificações alternativas, não ficando restrita ao CEBAS. As opções incluem o cadastro estadual (CRC) e o cadastro de OSCIP. E o prazo de reconhecimento de imunidade, que era de dois anos, passou para quatro. No caso de isenção em relação ao IPVA, passaram a se configurar como possibilidades de comprovação de titulação cadastro de OSCIP, no CRC, utilidade pública estadual e o CEBAS.
“Essa é uma vitória que a gente comemorou muito, mas é uma vitória de São Paulo, que é um estado que de fato regulamentou a imunidade e a isenção, uma legislação que garante que as entidades isentas tenham algum benefício. O que não acontece em outros estados do Brasil”, diz Juliana.
Dora, da APF, relembrou a necessidade de diálogo permanente e articulação conjunta como requisitos importantes para a conquista. “É muito importante também a participação da sociedade civil nesses conselhos paritários, porque nós é que vamos fazer a diferença. Chegamos num momento que a sociedade civil não quer participar. E lá é que são feitas e aprovadas as legislações que nós vamos ter que seguir”, pontua.
Em tramitação
Durante o evento foram também apresentadas as principais legislações sobre ITCMD em tramitação no Congresso. Mariana Levy, assistente técnica do projeto, destacou os principais pontos das propostas: progressividade em função do patrimônio doado; uniformidade nacional das isenções; parte das receitas arrecadadas para os municípios; competência federal e municipal; imposto sobre grandes fortunas; imposto de renda sobre doações; competência estadual para regras de doações do exterior. Atualmente muitas legislações estão em tramitação, entre Propostas de Emenda Constitucional, Projetos de Lei e Projetos de Lei Complementar. A possibilidade de federalização do ITCMD e repasse de parte dos recursos para os municípios aparece também nos debates sobre a reforma tributária.
Dentre as legislações destacadas encontra-se a PEC 385/09 (que dispõe sobre a possibilidade de os municípios fiscalizarem e arrecadarem) e seu apenso, a PEC 60/15 (que prevê a possibilidade de definição nacional de imunidade); o PLP 363/13 (que retira a necessidade de lei complementar para tributar heranças e doações no exterior); a PEC 139/99 (que estabelece competência federal e progressividade para o ITCMD); a PEC 110/92 (que estabelece competência municipal para doações imobiliárias); o PLS 300/16 (que também estabelece a incidência do imposto de renda sobre o valor dos bens adquiridos por doação ou herança).
No caso das legislações estaduais, em tramitação nas Assembleias Legislativas, as proposições têm discutido a ampliação de isenções para vários temas, a progressividade das alíquotas conforme valor da doação, a diferenciação das alíquotas; o parcelamento de dívidas e os critérios para doação. Alguns estados estabelecem alíquotas distintas para herança e doação, mas sem distinguir doações filantrópicas.
Isenções e caminhos
Eduardo Pannunzio, da FGV Direito e coordenador da pesquisa sobre o ITCMD, produzida como parte do projeto Sustentabilidade das Organizações da Sociedade Civil, aponta que há um objetivo duplo nessa questão do imposto: de um lado, desoneração; do outro, gerar segurança jurídica em relação ao tema.
“A ausência de uniformidade no trato do ITCMD nacionalmente cria concentração do Investimento Social Privado (ISP). São Paulo tem uma das legislações mais favoráveis à sociedade civil, porque criou hipótese de isenção para cultura, direitos humanos e meio ambiente. O Sudeste já concentra a maioria do ISP e a gente tem um sistema tributário que contribui para aprofundar ainda mais isso”, aponta.
Pannunzio aponta ainda a importância de lidar com múltiplas estratégias: emenda constitucional, lei parlamentar, CONFAZ, resolução do Senado e o trabalho com a ideia de leis ou dispositivos modelo para as legislações estaduais. “Temos mapeadas cinco grandes avenidas para conseguir melhorias no ITCMD. Temos que explorá-las de forma muito complementar, somar esforços”.
Outro ponto levantado por ele é o fato de haver pouca informação de qual o impacto econômico e social hoje do ITCMD, em especial no caso das OSCs. Esses números serão importantes para dar sustentação e robustez às propostas geradas no grupo, e o projeto já está trabalhando nesse levantamento.
“Já há alguns estados que estabelecem distinção de alíquota entre herança e doação. E há também outros em que o recolhimento se dá via guia eletrônica, que oferece uma série de campos preenchidos que detalham mais a natureza da operação. Fica claro que há alguns estados em que será possível identificar arrecadação por tipo de recolhimento. Ainda que o universo total dos estados seja inteiramente contemplado, podemos, por amostragem, ter um valor”, diz Rafael Oliva, da FGV Direito.
José Marcelo Zacchi, Secretário-Geral do GIFE, destacou que a chave no debate nacional é que o ITCMD da forma como está hoje é um problema conceitual, já que não faz sentido tributar doações de interesse público. “Isso é um erro. A intenção do ITCMD é tributar herança e transferência entre vivos. A doação [de interesse público] entrou aqui de roldão, não faz sentido e creio que quase todo mundo concordará que não faz. Reconheçamos isso e traduzamos isso na legislação”.
Essa também é a opinião de João Paulo Vergueiro, da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR): “A gente deve taxar quem não doa, e não o doador. Temos trabalhado [a ABCR] com o marco bancário da doação, com a necessidade da diferenciação entre o que é pagamento e o que é doação nos boletos. Precisamos seguir nessa perspectiva de zerar o imposto sobre doação de interesse público”.
Além de trabalhar nessa questão conceitual, mais amplamente, em nível federal, levando uma proposta de separar o que é herança e doação inter-vivos do que é doação de interesse público, o grupo encaminhou também a atuação paralela junto aos estados, buscando identificar e fortalecer grupos e instituições que já atuam por alterações no ITCMD, num caminho semelhante ao já seguido por São Paulo.
O projeto Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil, no qual se inserem as reuniões do grupo de discussão, visa construir um ambiente legal, jurídico e institucional saudável para a atuação das organizações da sociedade civil. É realizado pelo GIFE e pela Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da FGV Direito São Paulo, em parceria com o Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) e com apoio da União Europeia, Instituto C&A, Instituto Arapyaú e Fundação Lemann.
*CEBAS: Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, concedido pelo governo federal via ministérios da Educação, do Desenvolvimento Social e Agrário e da Saúde às pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficente de assistência social que prestem serviços nas áreas de educação, assistência social ou saúde.
Acompanhe quinzenalmente notícias relacionadas