GIFE lança série de vídeos que retrata os principais desafios para a sustentabilidade econômica das OSCs e propõe caminhos para superá-los

Por: GIFE| Notícias| 06/08/2018

 

Nos últimos anos, o protagonismo das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) na luta pela conquista e garantia de direitos no Brasil não tem sido acompanhado dos avanços necessários nos mecanismos capazes de garantir a sustentabilidade econômica dessas organizações no longo prazo e a ampliação da cultura de doação no país.

Ao contrário, nas últimas décadas, as organizações têm sofrido ameaças à sua legitimidade e autonomia, decorrentes, ao mesmo tempo, do cenário de insegurança jurídica na relação com o Estado, da baixa capacidade de geração de recursos próprios e da fragilidade dos mecanismos de financiamento. Um contexto particularmente afetado pela redução da cooperação internacional, pela escassez de recursos privados e pela dificuldade e burocratização do acesso aos recursos públicos, voltados em grande parte à prestação de serviços e não ao desenvolvimento institucional e fortalecimento da autonomia das organizações.

Atentos a esse cenário, GIFE, FGV Direito São Paulo e Mova lançam a websérie “Sustenta OSC”. A iniciativa faz parte do projeto “Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil”, uma realização do GIFE e da Coordenadoria de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito São Paulo) em parceria com o Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) e apoio da União Europeia, Fundação Lemann, Instituto Arapyaú e Instituto C&A.

Ao longo de oito episódios, que serão lançados semanalmente, a websérie vai retratar os principais desafios para o fortalecimento da sustentabilidade econômica das OSCs, dando luz aos caminhos para superação dos mesmos.

A identificação desse ecossistema será feita a partir de uma vitrine com os principais atores envolvidos com o tema e se constituirá sobre três pilares: cultura de doação, transparência e ambiente regulatório.

Aline Viotto, coordenadora da área de advocacy do GIFE, explica que a websérie avança no debate se comparada a outras webséries produzidas pela instituição, como no caso da COMUM. “Primeiro, nós estávamos discutindo a importância da sociedade civil organizada. Queremos reforçar a importância desse papel e avançar no debate de como ela se financia, como a legislação pode operar para criar mecanismos que incentivem e facilitem que os recursos da sociedade cheguem para as organizações. ”

Para a coordenadora, a websérie possibilita pautar o tema de forma mais ampla. “Esse é um assunto complexo e difícil de ser tratado. Tributação, por exemplo, é sempre um assunto muito árido, especialmente no Brasil, com a forma como a nossa legislação tributária e os mecanismos de incentivo funcionam. A websérie vai nos permitir provocar uma reflexão sobre como as organizações se financiam, traduzindo temas complexos para um público mais amplo”, observa.

Importância de doar 

O primeiro episódio da websérie, lançado nesta segunda-feira (06/08), faz um retrato amplo do assunto. Intitulado “Importância de doar”, o vídeo propõe uma análise da conjuntura atual desse universo a partir do olhar de atores chave de organizações da sociedade civil (OSC), do campo jurídico, acadêmico e do Investimento Social Privado (ISP). O papel da sociedade civil organizada para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, a ameaça à atuação do setor em razão de uma crise de sustentabilidade e a necessidade de fomentar a cultura de doação no país e a capacidade de mobilização de recursos dessas organizações para a evolução da sociedade brasileira são pontos abordados pelo episódio.

Para Thierry Dudermel, ministro conselheiro e chefe de cooperação da delegação da União Europeia no Brasil, a atuação da sociedade civil está ameaçada em várias partes do mundo. “A União Europeia vê com preocupação a ameaça ao espaço de trabalho e a capacidade de incidência da sociedade civil cada vez mais restrita. Isso para nós é uma ameaça à democracia. ”

Eduardo Pannunzio, pesquisador da FGV Direito SP, vê três naturezas na importância do papel das organizações da sociedade civil. Primeiro, essas organizações são responsáveis por parte das inovações sociais construídas no Brasil e no mundo que dão vida a novas formas de enfrentar os problemas sociais que afligem o país. “Um exemplo disso é o programa de proteção a testemunhas, que beneficia um conjunto grande de pessoas hoje e que foi construído no âmbito de uma rede de organizações da sociedade civil e, posteriormente, implementado como programa pelo Estado brasileiro”, pontua.

Em segundo lugar, as organizações da sociedade civil têm a atribuição de acompanhar e monitorar as instituições, tanto públicas – governos, casas legislativas e judiciário -, como também, mais recentemente, as instituições privadas, sobretudo as grandes empresas, de forma a assegurar maior conformidade à lei, evitar o arbítrio por parte dessas instituições e a violação de direitos dos indivíduos e organizações. “Esse é um papel muito relevante que as organizações cumprem para assegurar e promover o Estado de direito no Brasil”, diz Eduardo.

Um terceiro papel mais genérico, mas não menos relevante, para o pesquisador, é que as organizações da sociedade civil são, ao mesmo tempo, um canal e um instrumento que fomenta uma mobilização cívica, o interesse dos cidadãos pelo espaço público, pelos seus concidadãos. Essa mobilização está por trás da defesa de direitos, da promoção de novos direitos e de um avanço civilizatório experimentado em diversas partes do mundo. “Essas funções são muito bem exercidas pela sociedade civil e até hoje não se inventou ainda nenhum outro ator que consiga desempenhar esse papel com tanta competência e habilidade. É por isso, portanto, que precisamos ter uma preocupação muito grande em proteger e fomentar esse espaço da sociedade civil organizada na vida dos países”, defende.

Para Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, o papel do setor é de muita responsabilidade e merece atenção do conjunto da sociedade. “O terceiro setor está tentando resolver os maiores problemas do Brasil. Não só os mais importantes, mas os mais difíceis. Quando você tem organizações de impacto, como temos hoje no Brasil, que conseguem mostrar que as coisas estão mudando, isso ajuda muito. É preciso dar luz a essas organizações para que a sociedade veja esse valor e queira apostar cada vez mais nesse papel”.

Fortalecimento da sociedade

Em 2016, havia 820 mil organizações da sociedade civil ativas no Brasil. Todos os 5.570 municípios do país possuíam pelo menos uma organização. Entre 2014 e 2016, o total de recursos públicos federais transferidos para OSCs passou de R$ 12,1 bilhões para R$ 2,3 bilhões*.

Segundo o “Censo GIFE 2016”, o investimento social privado nacional caiu 16% em 2015 em comparação com o ano anterior. O dado de 2016, de R$ 2,9 bilhões, é o menor da série desde 2009. “São números muito inferiores aos que eram praticados há quase uma década. É consenso que ter uma sociedade civil forte é fundamental para a democracia. Temos uma crise de financiamento e precisamos pensar mecanismos para solucioná-la”, defende Eduardo, da FGV Direito SP.

Para o pesquisador, o elemento cultural é um dos entraves para a sustentabilidade financeira das organizações da sociedade civil e tem a ver justamente com essa narrativa acerca do papel que a sociedade civil tem a desempenhar na vida do país que ainda não foi adequadamente incorporada entre os brasileiros. “A sociedade, muitas vezes, não reconhece e não prestigia esse papel e, portanto, ainda se sente pouco responsável com relação à sobrevivência e ao desenvolvimento dessas organizações, inclusive com doação de recursos financeiros. À medida que percebermos que apenas com o envolvimento dos cidadãos o Estado se aprimorará, a sociedade desenvolverá novas formas de conseguir resolver seus problemas e a vida de todos nós acabará melhorando. ”

Em depoimento à websérie, outros atores desse ecossistema concordam que há uma questão identitária importante para o fomento à cultura de doação.

Para Ana Valéria Araujo, superintendente do Fundo Brasil de Direitos Humanos, o momento atual é de indignação, mas as pessoas não sabem o que estão buscando. “Acreditar em causas e identificar organizações que estão fazendo a diferença e apoiá-las pode significar um novo começo para todo mundo”.

Marcella Coelho, presidente do Conselho Diretor do Greenpeace, acredita que esse é um processo muito pessoal e subjetivo que se relaciona com a maneira como cada um se expressa. Com o que Mafoane Odara, coordenadora de projetos do Instituto Avon, concorda. “No fim das contas, todo mundo busca um propósito e, às vezes, a concretização desse propósito vem da possibilidade de doar e se sentir parte daquilo. Eu não estou lá, mas sinto que a contribuição que eu posso dar hoje está ajudando nessa transformação”.

Sobre a websérie

“Boa parte dos episódios discute a promoção de um ambiente regulatório mais propício ao financiamento dessas organizações, ou seja, como a legislação pode promover ou incentivar as doações da sociedade para as organizações. Queremos contribuir com esse debate pré-eleitoral sobre as agendas do Brasil para o futuro. A ideia é somar esse tema ao debate público acerca de uma agenda mais ampla”, explica Aline, do GIFE.

Para José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, a websérie entra nessa estratégia como uma ferramenta importante para uma disseminação mais ampla, dialogando com o debate público e buscando chamar atenção para a importância da pauta do fortalecimento das organizações da sociedade civil como elemento necessário na agenda ampla do país.

“Vivemos no Brasil hoje um momento de encruzilhada, de troca de ciclo. São trinta anos de trajetória democrática com muitos avanços do ponto de vista social, econômico e institucional e, ao mesmo tempo, com todos os limites desse período colocados à luz do dia. O país está desafiado a produzir novas agendas que possam responder a esses limites na direção de aprofundarmos e expandirmos os avanços que se acumularam ao longo desse período”.

Para o secretário, é preciso produzir novas convergências para que essas agendas possam se materializar. Isso vale para agendas setoriais em geral, mas também para fortalecer o próprio espaço democrático.

“Tivemos nesses anos muitas demonstrações de como um espaço cidadão e uma sociedade civil fortes são fundamentais para que possamos lastrear um ambiente de ação pública confiável, consistente, republicano, representativo e efetivo. Pensar não só as agendas setoriais, mas em como fortalecer as instituições democráticas e o espaço de ação coletiva na sociedade tem que ser parte da pauta do país”.

José Marcelo afirma que o lançamento da websérie agora tem como propósito dialogar com o momento pré-eleitoral em que o país precisará fazer o debate de quais são suas agendas daqui para frente.

“Uma das tarefas não cumpridas nesses trinta anos de construção democrática está na capacidade de mobilizar recursos da própria sociedade brasileira para manter uma sociedade civil forte, diversa, vibrante, capaz de cumprir um papel chave que ela tem na produção de respostas públicas. A websérie busca chamar atenção para isso apontando o que poderiam ser pautas e agendas tanto legislativas quanto de políticas ou ação pública para avançar nessa direção. Queremos contribuir para afirmar essa pauta como parte necessária da macro agenda do país”, conclui José Marcelo.

Projeto “Sustentabilidade Econômica das Organizações da Sociedade Civil”

Por meio de produção de conhecimento, comunicação, articulação e incidência para alterações normativas e regulatórias que ampliem as condições para a sustentabilidade política e econômica das OSCs, o projeto visa construir um ambiente legal, jurídico e institucional saudável para a atuação das organizações da sociedade civil.

A atuação da iniciativa se dá sobre quatro eixos temáticos: Doação, Fundos Patrimoniais, Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).

Dentre as atividades realizadas ao longo de 2017, quando a ação teve seu fluxo de trabalho consolidado, estão a abertura de espaços de escuta ativa sobre os temas por meio da criação de um grupo de discussão, de uma consulta pública e de reuniões do “OSC em Pauta”, espaço de debates promovido pela FGV Direito SP. Além disso, um cuidadoso acompanhamento da movimentação legislativa foi efetuado ao longo do ano, cujas proposições podem ser conhecidas no site do projeto.

A disseminação de conteúdos relacionados aos temas, seja por meio do boletim quinzenal dedicado ao projeto, do site ou dos eventos mencionados, é um dos pilares importantes do trabalho. Essas ações, juntamente com pesquisas que estão sendo realizadas pela FGV Direito SP, são fundamentais para embasar e dar consistência às ações de incidência que devem marcar o projeto ao longo dos próximos anos.

Próximos episódios

Os próximos episódios da websérie “Sustenta OSC” serão lançados toda segunda-feira no canal do GIFE no Youtube. Os vídeos abordarão os seguintes temas: Cultura de doação; Confiança; ITCMD; Incentivos fiscais; Fundos patrimoniais; Redes; e Organizações da Sociedade Civil. Acompanhe!

Os dados são do “Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil”, estudo que reúne as principais características das organizações mapeadas, bem como informações sobre recursos públicos transferidos, vínculos de trabalho, entre outras.

 


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