Malala Yousafzai visita Brasil e participa de encontro promovido pelo Itaú Unibanco

Por: GIFE| Notícias| 16/07/2018

 

Na última semana, o Brasil recebeu uma visita especial. Malala Yousafzai, ativista paquistanesa de 21 anos, esteve em São Paulo para participar do evento “Itaú apresenta: Malala”, realizado no dia 9 de julho. A estudante, personalidade mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz, atraiu centenas de convidados para o Auditório Ibirapuera.

Aplaudida de pé pelo público presente, composto por inúmeras mulheres, professores de escolas públicas, estudantes e integrantes de organizações de educação, a paquistanesa compartilhou trechos de sua história de vida, como quando foi baleada na cabeça, aos 15 anos, pelo grupo Talibã, por se manifestar contra a proibição da educação de meninas. Depois de inúmeras cirurgias, a jovem, recuperada, continuou sua campanha. Na passagem pelo Brasil, debateu como a educação, o acesso à leitura e escrita e a descoberta de outras realidades pode mudar o rumo da vida de uma pessoa.  

“O Brasil tem uma cultura muito rica. Mas existem 1,5 milhão de meninas que não frequentam a escola. Nós não devemos ignorar isso, mas dar atenção total. O acesso a educação de qualidade e de forma segura possibilita alcançar sonhos. Eu espero que, trabalhando juntos, possamos chegar nesse ponto: que as meninas do Brasil e do mundo inteiro tenham acesso a educação. Esse é o melhor investimento sustentável a longo prazo e no qual devemos focar”, defendeu Malala.

A emoção de ter a paquistanesa em solo brasileiro transpareceu na voz de todas as convidadas. Ana Lucia Villela, presidente do Alana e primeira mulher a integrar o Conselho de Administração do Itaú Unibanco, usou sua fala para agradecer a escolha pelo Brasil para a viagem do Fundo Malala e dizer que a transformação de pessoas é uma das principais crenças do banco.

Além de Ana Lucia, a mesa de discussão foi composta por Conceição Evaristo, escritora e educadora nascida em uma comunidade; Dagmar Rivieri, conhecida como Tia Dag, educadora que criou a Casa do Zezinho, espaço que acolhe e oferece oportunidades de desenvolvimento para crianças e jovens que vivem em situações de alta vulnerabilidade social na região do Parque Maria Helena, em São Paulo e Tábata Amaral, jovem nascida na periferia que conquistou uma bolsa de estudos em Harvard e hoje é ativista por uma educação de qualidade.

O debate, mediado por Adriana Carranca, jornalista e autora do livro “Malala: a menina que queria ir para a escola”, foi dividido em quatro temas. Cada convidada usou suas experiências de vida para refletir sobre os assuntos.

O poder da leitura

Para abrir o encontro, as participantes discutiram leitura e seus impactos nas várias dimensões da existência humana. Conceição Evaristo, mulher negra, filha de um pedreiro e uma lavadeira, hoje é doutora, escritora e educadora. No palco, defendeu que a luta e o comprometimento de Malala alimentam e incentivam os educadores no Brasil.

“Nós vivemos em uma sociedade onde vale o que está escrito. Então, pessoas que não têm acesso a leitura e escrita têm uma cidadania incompleta. Eu, como mulher negra, penso nas questões de gênero e racial. Mais do que nunca, precisamos nos apropriar do objeto de leitura e escrita, porque se não contarmos a história de sujeitos subalternizados, nunca teremos a história completa do mundo.”

Malala comentou que a educação começa com esses dois instrumentos e usou a dinâmica da sua casa como gancho para o próximo tópico. “Geralmente, as mães e pais leem para os filhos. Na minha casa é ao contrário: eu leio para minha mãe. Quando ela tinha seis anos, vendeu seus livros. Agora, retomou os estudos. Ela é uma inspiração para mim e um dos motivos pelos quais eu continuo lutando pela educação.”

A educação e os vínculos afetivos

O assunto seguinte foi a criação de vínculos. Para exemplificar o tema, Tia Dag compartilhou a história de uma menina de 10 anos que frequentava a Casa do Zezinho e começou a se prostituir. Para lidar com a situação, a educadora não seguiu pelo caminho de impor discursos e dar lições, pois sabia que esse seria o jeito mais rápido e fácil de perder a atenção da menina.

“O reality show de uma favela não é brincadeira. Só quem está lá dentro entende bem os sinais e símbolos. Antes das pessoas julgarem e rotularem crianças e jovens por seus atos e atitudes, – “esse não vai dar em nada, esse é drogado” –, a primeira coisa que devemos fazer é ouvir, respeitar, saber quem são e onde querem chegar. Educar é um ato de amor para qualquer pessoa.”

Adriana também contribuiu com o debate ao compartilhar a lembrança de quando contou a história de Malala para crianças que vivem na região da Cracolândia, em São Paulo. “Estavam todas distraídas até o momento em que contei sobre o atentado. Com uma história violenta, consegui trazer a atenção, porque essa é a realidade que conhecem. Foi bonito ver os olhos brilhando e ver que perceberam que é possível sobreviver e ser um Nobel da Paz.”

Empoderamento feminino

Para falar sobre como é possível que meninas e mulheres se sintam empoderadas, Tábata compartilhou sua história e de sua família, transformadas pela educação. Nascida na Vila Missionária, periferia de São Paulo, conseguiu bolsa integral na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e hoje é formada em Ciências Políticas e Astrofísica. Co-fundadora do Mapa Educação, que engaja jovens para serem ativistas pela educação de qualidade, defendeu que a partir do momento que a educação não for prioridade no país, se perderão gerações inteiras.

“Os livros sempre me mostraram um mundo muito maior do que eu. No Brasil, o tamanho do sonho tem cor, gênero e CEP. Mas eu sei que não estou sozinha contra o preconceito e nem no meu propósito”, defendeu Tábata, que aproveitou sua fala para questionar Malala sobre como o ativismo dos jovens brasileiros pode somar-se ao seu.

Em resposta, a paquistanesa defendeu o protagonismo de organizações e representantes de cada localidade. “Melhorias no sistema educacional são necessárias para que as pessoas terminem a escola e tenham capacidade de continuar suas vidas. Minha ideia de mudança não é que algum representante internacional venha com a solução, e sim trabalhar com organizações locais e jovens que conhecem os problemas e têm ideias para resolvê-los.”

O bloco também teve a participação de MC Soffia, rapper que canta sobre racismo e padrões de beleza impostos pela sociedade. “Ouvir Malala e MC Soffia dá a sensação de que a nossa vida e luta fazem sentido. Os meus 71 anos de vida fazem sentido porque vocês me amparam e eu posso dialogar”, completou Conceição Evaristo.

Diversidade na educação

No último tema do encontro, Diversidade na Educação, Ana Lucia Villela expôs que um dos passos para impulsionar a representatividade nas escolas é investir em formação de professores para que tenham instrumentos e possam trabalhar assuntos importantes, como afrodescendência. Além disso, destacou que apesar de um currículo único ser importante, também é preciso considerar as necessidades individuais dos estudantes.

“Crianças e jovens são gênios. Eles veem soluções que muitas vezes a gente nem percebe. A única forma de garantir uma sociedade que saiba dialogar e escutar o outro é ter um espaço de debate dentro da escola, onde as crianças possam socializar. Por exemplo, se um aluno tem uma religião e o colega tem outra, vamos falar sobre isso e ouvir ideias. Eu acredito que todos vão ficar ainda mais fortes, vão poder aprender com os outros e todo mundo vai crescer. Não é preciso inventar grandes coisas. É preciso dialogar, escutar e aprender com outro.”

O evento contou ainda, à pedido de Malala, com uma sequência de perguntas dos jovens ativistas presentes no palco e também questionamentos de internautas que acompanhavam a transmissão ao vivo.

Quando questionada sobre frustrações com política, renovação da esperança e sentimentos como raiva, a paquistanesa resgatou assuntos como o poder da população ao usar o voto com sabedoria e a luta de meninas do mundo inteiro pelo direito à educação. “Muitas pessoas me perguntam se eu tenho vontade de revidar quem me atacou. Mas o melhor jeito de me vingar é educar. De certa forma, já estamos tendo vingança, pois estamos atingindo milhares de crianças pelo mundo, que merecem uma educação segura e de qualidade.”

Assista aqui a um trecho do discurso, disponível no canal do Youtube do Itaú.


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