Os impactos do esvaziamento dos espaços de participação social
Por: GIFE| Notícias| 01/08/2022Em 2019, Decreto 9759, assinado por Jair Bolsonaro, extinguiu todos os conselhos e órgãos colegiados ligados à administração federal
Em abril de 2019, o Governo Federal extinguiu todos os conselhos e órgãos colegiados ligados à administração federal através do Decreto 9759. Os grupos debatiam direitos das crianças, política indigenista, trabalho e previdência, entre outros.
Três anos depois, um levantamento tenta mensurar as mudanças provocadas pelo decreto nesses conselhos gestores de políticas públicas. A pesquisa aponta que 68% deles foram extintos, alterados por decreto ou estão inativos. Políticas ambientais e de defesa dos direitos humanos figuram como as mais afetadas.
Uma das responsáveis por conduzir a análise, Carla Bezerra, doutora em Ciência Política, explica que áreas como saúde e educação não foram tão afetadas porque são conselhos instituídos por lei. A pesquisadora trabalha no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ e é pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Os impactos desse esvaziamento, argumenta, podem ser observados em termos de políticas públicas, implicando na paralisação ou funcionamento precário de sua execução.
Impactos na sociedade civil
Carla Bezerra afirma que o enfraquecimento desses espaços afeta diretamente a democracia, e a possibilidade de participação dos cidadãos e Organizações da Sociedade Civil (OSC) junto ao Estado, o que garante monitoramento e transparência.
Acerca dos Conselhos que não chegaram a ser extintos, a coordenadora jurídica do Instituto Alana, Ana Claudia Cifali, aponta que foram utilizados mecanismos de redução da participação como: extinção de cargos técnicos necessários ao funcionamento dos conselhos; atraso na realização das assembleias; não custeio do deslocamento dos representantes de entidades da sociedade civil; não comparecimento de representantes do Poder Público, inviabilizando as deliberações; e o não encaminhamento de ata contendo deliberações e encaminhamentos.
Carla Bezerra cita também a intensificação do uso da Lei de Segurança Nacional direcionada a indivíduos e OSCs que se colocavam em oposição a alguma pauta do governo. “É um quadro preocupante, em que a desestruturação dos Conselhos é mais um elemento dentro de uma série de ações no sentido de reduzir a possibilidade de atuação dessas organizações nas temáticas que defendem.”
Entre as alternativas que têm sido adotadas, estão a constituição de Fóruns de OSCs, sem articulação com o Estado, e organização de conferências livres. “É uma forma importante de articulação, de se contrapor, mas não é capaz de substituir o espaço formalmente instituído pelo Estado”, pondera Carla Bezerra.
Investimento Social Privado (ISP)
O Instituto Alana conta com histórico de defesa e participação de tais espaços, com conselheiros no CONANDA e do CONSEA. O Instituto teve atuação no âmbito de ações judiciais que buscavam revogar decretos inconstitucionais que limitavam a participação social nos conselhos. Como no caso da ADPF 622, que buscava avaliar a constitucionalidade do Decreto 10.003/2019, que alterou as normas sobre a constituição e o funcionamento do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente e destituiu seus membros.
“Naquele momento, o Alana lançou a campanha Escute esse Conselho, com a finalidade de mobilizar a sociedade civil na defesa desse espaço, contando com a adesão de mais de 500 organizações sociais e conselhos estaduais e municipais”, lembra Ana Cláudia Cifali.
Nesse cenário, a coordenadora acredita que o ISP pode auxiliar a identificar os principais desafios enfrentados pelas lideranças que ocupam esses espaços, especialmente a partir do investimento em pesquisas. Um exemplo é a ação promovida pela RT de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente do GIFE.
“Outra frente de atuação é a promoção de capacitações em temas afetos aos conselhos, especialmente os mais técnicos. O ISP pode ainda, auxiliar para garantir a presença dessas lideranças em tais espaços e/ou através de tecnologias de participação efetivas”, finaliza.