Por mais representatividade, organizações desenvolvem programas de formação de lideranças negras
Por: GIFE| Notícias| 15/11/2021Lewis Hamilton é conhecido por seu ativismo em diferentes causas e agendas, sobretudo em prol da equidade racial. Recentemente, o piloto de Fórmula 1 lançou um projeto para formação e capacitação de professores negros no Reino Unido, junto a declarações sobre a importância de crianças e jovens negros se enxergarem em seus educadores.
A iniciativa do piloto inglês mostra que a garantia de direitos e mais oportunidades para o povo negro é um desafio global, cenário que ganha novos contornos de complexidade quando se trata de pessoas negras em posições de tomada de decisão e liderança.
Um levantamento do site Vagas.com mostra que a maioria de profissionais pretos e pardos ocupam posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%). Em cargos mais altos, como de supervisão, coordenação e diretoria, há escassez de diversidade: 0,7% têm cargos de diretoria. Já a pesquisa Racismo no Brasil, realizada pelo Instituto Locomotiva, mostra que apenas 7% dos 1.630 entrevistados têm ou tiveram em seu último emprego um chefe preto, ao passo que 15% têm um chefe pardo, o que totaliza 22% de profissionais pretos ou pardos em posições de chefia.
Considerando que mais da metade da população brasileira é composta por pessoas que se autodeclaram negras, diversas organizações têm desenvolvido projetos de formação, acompanhamento de jovens e capacitação de profissionais negros para que ocupem cargos de liderança em diferentes setores, no caminho de mais equidade e representatividade.
Prosseguir – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT)
O Programa Prosseguir tem como finalidade evidenciar futuras lideranças negras que estão nas universidades públicas e privadas a partir de estratégias de fortalecimento, permanência acadêmica e diálogos e pontes com o mercado de trabalho para contribuir com ambientes universitários mais diversos e igualitários.
Podem participar do programa estudantes negros residentes nas cidades e regiões metropolitanas de São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro e regularmente matriculados nos cursos de graduação presencial. Os jovens selecionados pelo programa recebem uma bolsa auxílio, a participação em um curso extracurricular com enfoque em liderança, preparação para o trabalho e equidade racial e um curso de inglês.
Luanda Mayra, pesquisadora do CEERT, explica que a permanência universitária é um dos pontos mais urgentes, considerando que a juventude negra é o grupo social e étnico mais afetado pelos efeitos do racismo ao longo de várias décadas. Olhar para a permanência do jovem negro na universidade torna-se um ponto relevante ao considerar que, desde a educação básica, muitos estudantes precisam conciliar estudos e trabalho, cenário mais comum entre a população negra. Com a pandemia, diversos jovens precisaram contribuir com a renda familiar, o que os obrigou a pausar os estudos.
“O nome do programa vem da concepção de que jovens negres devem ter o direito de prosseguir em suas trajetórias de vida e de se verem dentro de todos os espaços almejados. O Prosseguir é um mecanismo que atende às dinâmicas sociais e raciais dadas numa sociedade onde o racismo estrutural nega o direito de permanência em instituições educacionais, sejam elas de nível superior ou básico. Há inúmeras formas evidentes pelas quais o projeto racista e colonial se institui de maneira perversa, negando, assim, o acesso de pessoas negras”, explica Luanda.
Na terceira edição do programa, a pesquisadora explica que há um processo de aprendizagem constante, considerando que existem diversas complexidades que permeiam a juventude negra, sua relação com o mercado de trabalho e os espaços de poder em geral. “Tudo isso nos mostra o quanto o racismo ainda afeta significativamente o desenvolvimento de potencialidades já existentes. O contato, escuta e participação ativa da própria juventude são ferramentas fundamentais para que a vivência compartilhada se torne insumo para construir novos caminhos no programa.”
Ubuntu – Vetor Brasil
Formação em competências essenciais para liderança no século 21, mentoria individual e imersão entre os participantes são alguns dos benefícios oferecidos pelo Programa Ubuntu, criado com o objetivo de aumentar as oportunidades de profissionais negros se desenvolverem como líderes públicos e apoiar uma mudança de cultura dentro do setor público.
Segundo Lara Barreto, diretora de Parcerias e Operações do Vetor Brasil, um dos motivadores para a criação da iniciativa foi a crença no governo enquanto setor estratégico para o desenvolvimento de lideranças negras.
“A falta de representatividade no governo tem impactos nas próprias políticas públicas, por não endereçarem de fato as necessidades dos grupos historicamente marginalizados em nosso país. Quanto mais líderes negros tivermos no setor público, melhores e mais representativas serão as políticas públicas pensadas, desenhadas e implementadas para os diferentes grupos da sociedade. Afinal, para a formulação de políticas efetivas que reflitam as reais necessidades da população brasileira, é preciso um governo representativo”, reforça Lara.
Para alcançar esses objetivos, todos os conteúdos do programa foram criados usando uma ótica racial, de forma que o entendimento enquanto liderança não seja feito sob uma ótica da branquitude. A ideia é que profissionais negros possam fazer a facilitação e condução desses espaços de troca, aprendizado e fortalecimento, incentivando que os participantes se auto identifiquem como uma liderança negra e ampliem seu repertório de ferramentas de gestão de pessoas, para que sejam protagonistas na transformação da cultura do setor público, com a diversidade como um pilar.
Plataforma Alas – Fundação Tide Setubal
Criada a partir do edital Caminhos, realizado pela Fundação Tide Setubal em parceria com o Instituto Ibirapitanga e a Porticus América Latina – que investiram para que 31 lideranças negras aprimorassem sua formação -, a Plataforma Alas conta com dois principais objetivos: desenvolver lideranças negras e envolver lideranças brancas enquanto aliadas no enfrentamento das desigualdades sociorraciais no Brasil.
Viviane Soranso, coordenadora do programa de Raça e Gênero da Fundação Tide Setubal, explica que a falta de representação de pessoas negras em espaços de poder e decisão decorre do racismo, que vai além das situações extremas de violência. “[O racismo] se faz presente na linguagem, nos olhares, nas escolhas de palestrantes para um evento, na acolhida para a chegada e permanência na equipe, no não reconhecimento de nomes não brancos. Ninguém quer ser visto como racista, mas se negar ao debate é uma forma de reforçar preconceitos existentes e impedir mudanças e avanços reais pela equidade.”
Para promover oportunidades de formação e fortalecimento de profissionais negros em diferentes momentos da vida, além de descontruir ideias e comportamentos racistas em diferentes espaços em um pacto coletivo de reparação histórica, como cita Viviane, a iniciativa divide-se em três frentes.
‘Alas’ é voltada àqueles que estão cursando ou concluíram o Ensino Médio e moram nas periferias. São oferecidas atividades voltadas para o desenvolvimento de habilidades pessoais, formação política, empreendedorismo, empregabilidade e idiomas. ‘Elos’ é voltada a quem quer dar novos passos e ampliar os horizontes da sua carreira, mas não têm conexão com os institutos e universidades que podem ajudar nesse sentido. Por fim, ‘Caminhos’ oferece apoio financeiro para fortalecer a trilha de lideranças negras para que possam ocupar espaços de poder em diferentes campos da sociedade. A Plataforma também permite doações de recursos de pessoas físicas e jurídicas para o fundo da iniciativa ou diretamente para um dos projetos que fortalecem o desenvolvimento de pessoas negras, por meio do financiamento coletivo Matchfunding.
É com essa estratégia que a plataforma busca ser uma ação concreta para o fortalecimento das trajetórias dessa população e na transformação da realidade interna de empresas e instituições a partir da sensibilização de pessoas físicas e jurídicas para uma mudança de cultura.
“Quando olhamos para as posições de lideranças, decisões e poder, temos a presença de um único perfil: homens brancos. As empresas e instituições públicas e privadas precisam representar a realidade brasileira, de modo a garantir ambientes mais democráticos, com vozes múltiplas e olhares diversos. A intersecção de raça, gênero e classe presentes nos espaços nos permite olhar para o mesmo problema com perspectivas diferentes. Diversidade e inclusão são fundamentais para o crescimento e fortalecimento dos indivíduos e das instituições”, completa Viviane.