Rede LEQT se posiciona contra tentativa de censura em rede pública de ensino de Rondônia

Por: GIFE| Notícias| 02/03/2020

No início de fevereiro, um episódio envolvendo suposta tentativa de censura por parte da Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (SEDUC-RO) a mais de 40 obras consideradas clássicos da literatura causou comoção entre diversos setores da sociedade.

Por meio de uma nota pública, a Rede Leitura e Escrita de Qualidade para Todos (LETQ) manifestou seu repúdio à tentativa de limitação da livre circulação da produção literária nacional e internacional. Uma das redes temáticas do GIFE, a articulação reúne um amplo espectro de organizações da sociedade civil que atuam no campo da promoção da leitura, da educação e da cultura, incluindo investidores sociais, organizações sociais, produtores editoriais, bibliotecários, autores e representantes do setor público e da academia.

O caso

Segundo o noticiário, o episódio teria sido deflagrado por um alerta via aplicativos de mensagens acerca da existência de uma ordem da Secretaria de Educação para recolhimento de livros considerados “inadequados” a crianças e adolescentes. Entre os autores estão Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca, Mário de Andrade e Machado de Assis.

De acordo com a nota da LEQT, “as obras não apenas são adequadas para adolescentes e jovens a partir dos anos finais do Ensino Fundamental, como figuram, em grande parte, entre o cânone literário nacional e internacional e são indicadas como leituras obrigatórias para exames vestibulares de instituições públicas e privadas de Ensino Superior”.

Ao G1, o secretário confirmou a existência do documento, revelando tratar-se de um “rascunho” feito por “técnicos” que não chegou a ser expedido. Em nota emitida no mesmo dia, a Secretaria afirma ter recebido denúncia acerca da presença de “livros paradidáticos com conteúdos inapropriados para o público alvo, alunos do Ensino Médio, nas bibliotecas das escolas estaduais”. 

“Diante disso, a equipe técnica da secretaria analisou as informações e constatou que os livros citados eram clássicos da Literatura Brasileira, muitos deles usados em processos seletivos e vestibulares. Sendo assim, o processo eletrônico que contém a análise técnica foi encerrado imediatamente sem ordem de tramitação para quaisquer órgãos externos, secretarias ou escolas públicas”, diz trecho da nota.

No documento, o conjunto da Rede LEQT expressa seu estranhamento a qualquer ação da SEDUC-RO que não seja no sentido de ampliar a disponibilização de acervos e a circulação de obras literárias em um estado em que 42% das escolas públicas estaduais (239 unidades educacionais) não possuem biblioteca ou sala de leitura, de acordo com o Censo Escolar 2018.

“A tentativa de censurar a livre circulação de tais obras é uma afronta direta ao Estado democrático de direito e ao princípio constitucional de livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Viola ainda o direito à educação e à cultura de crianças, adolescentes e jovens, contrariando o Estatuto da Criança e do Adolescente e os princípios constitucionais da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber que regem a educação nacional”, observa trecho da nota.

Atuação em rede

Para Ana Lima, da Conhecimento Social – uma das coordenadoras da Rede -, o atual contexto vem demandando cada vez mais esse tipo de manifestação pública assertiva na defesa dos direitos. “É algo novo para todos nós. Vivemos, nos últimos anos, um cenário receptivo à discussão de direitos e valorização da pluralidade e da diversidade. Agora, estamos vivendo um retrocesso em relação a isso, o que também nos impõe aprender a lidar com esse novo contexto.”

A consultora observa a importância, mas também o desafio de construção de posicionamentos comuns de uma articulação tão diversa e plural. “Temos desde indivíduos, autores e escritores que militam na área da leitura e escrita até bibliotecas comunitárias e públicas e organizações vinculadas à formação de professores, à cadeia de produção do livro, às políticas públicas do setor e ao Plano Nacional do Livro e Leitura. Ao mesmo tempo em que é um mérito dessa rede acolher perfis tão diferentes, é um grande desafio se comunicar em uníssono com pontos de vistas convergentes, mas não necessariamente idênticos. Nesse sentido, estamos em um esforço coletivo de construir uma dinâmica que propicie à LEQT se posicionar publicamente enquanto voz relevante do setor.”

A necessidade de foco e reflexão estratégica deve ser a escolha da rede no próximo período, na tentativa de evitar dispersão frente à multiplicidade e à frequência de episódios que demandam respostas e posicionamentos no atual contexto político do país.

“Não podemos ficar reagindo ‘no varejo’ a cada coisa que acontece porque todos os dias algo demanda nosso posicionamento e a Rede precisa de tempo para construir esses consensos e pode não conseguir responder a tempo. Precisamos mesmo ser mais estratégicos nesse tipo de reação, pois existem contextos relacionados à implementação de novas políticas e ao aprimoramento da legislação existente que merecem posicionamentos mais técnicos e refletidos.”

A consultora convida outros indivíduos, organizações e coletivos que atuam no setor da leitura e escrita a se somarem nesse movimento de maior reflexão e incidência pública.

“Nossa tendência vai ser cada vez mais usar de situações e episódios como esse para nos posicionar em favor ou contrariamente a determinadas posturas. Estamos construindo, por exemplo, nosso posicionamento sobre a nova política de alfabetização do MEC [Ministério da Educação], que requer uma resposta mais argumentada, técnica e baseada em evidências. Como temos na rede perfis com alto grau de expertise nesse tópico e em outros que merecem esse tipo de atuação, a ideia é reagir com conteúdos que reflitam as competências existentes dentro da Rede. E convidamos outros segmentos, dentro ou fora do GIFE, a se unirem a essa nossa reflexão porque o problema parece ser de todos nós.”

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