Educar, engajar e fortalecer são ações fundamentais para uma cultura de doação, aponta documento

Por: GIFE| Notícias| 14/09/2020

Quase 496 mil pessoas e instituições realizaram doações para combater a Covid-19 no Brasil, segundo aponta o Monitor das Doações, plataforma da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). A soma de recursos consiste em mais de R$ 6,3 bilhões. Entretanto, se o volume doado teve crescimento exponencial entre março e maio, alcançando mais de R$ 5,5 bilhões arrecadados em 31 de maio, a curva das doações começou a se estabilizar em meados de julho, com cerca de R$ 400 milhões doados desde então, mesmo que o Brasil ainda apresente altas médias diárias de novos casos e óbitos em razão da doença.  

Diante desse cenário, muitas pessoas estão se perguntando como é possível manter o engajamento no combate à pandemia. Um dos passos necessários para que as doações continuem acontecendo, independente de seu formato, é incentivar o desenvolvimento e o fortalecimento de uma cultura de doação, pauta defendida pelo Movimento por uma Cultura de Doação, que acaba de lançar um site próprio para reunir informações sobre o tema. 

Portal sobre doação 

A plataforma define o movimento como uma rede aberta e democrática, formada por pessoas e organizações que, desde 2012, se articulam voluntariamente em torno do mesmo propósito de enraizar a doação como parte da cultura brasileira. 

Com a participação de diversos representantes do investimento social privado (ISP) e de organizações da sociedade civil (OSCs), como Fundação José Luiz Egydio Setúbal, GIFE, Instituto Humanize, Instituto ACP, Instituto Mol, Movimento Bem Maior, Umbigo do Mundo e Worldwide Initiatives for Grantmaker Support (WINGS), o grupo participa e encabeça diversas iniciativas que contribuem para conscientizar cada vez mais pessoas, líderes, gestores, organizações e empresas acerca da importância da criação de um ambiente favorável à cultura e à prática de doação no país. 

Entre as ações estão o Fundo BIS, impulsionado pelo Movimento e realizado pelo GIFE com o objetivo de selecionar projetos sobre a temática, e o Dia de Doar, data criada nos Estados Unidos e adotada no Brasil com o objetivo de mobilizar mais pessoas para apoiar OSCs que trabalham para melhorar a vida em sociedade. A edição de 2019, por exemplo, arrecadou R$ 2,3 milhões, com 30 campanhas comunitárias, alcançando 42 milhões de pessoas. 

Retrato brasileiro

Outra iniciativa do Movimento foi constituir uma Força-Tarefa em torno da articulação de diversas organizações. Em 2019, a primeira ação do grupo foi a realização de uma pesquisa para sistematizar conteúdos já produzidos sobre o tema, identificar desafios e potenciais oportunidades para o campo, além de recomendações iniciais para debater o assunto. 

O levantamento inicial foi seguido de momentos de escuta junto a especialistas e realização de workshops. Todo o processo deu origem ao documento Por um Brasil + Doador, Sempre, que pode servir como um norteador de ações, explica Joana Mortari, uma das fundadoras do Movimento. “Esperamos que ao chegar a uma universidade, banco ou OSC, o documento possa gerar conversas sobre como o fazer daquela organização contribui ou trabalha contra a formação dessa consciência cidadã-doadora.”

O documento apresenta o manifesto do Movimento e traz dados sobre a doação no Brasil, que revelam, por exemplo, que a população é doadora mas ainda doa pouco (sendo R$ 200 o valor médio anual da doação). O volume anual doado por brasileiros, cerca de R$ 13,7 bilhões, equivale a uma baixa porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), se comparado a outros países: 0,23% no Brasil, 0,5% no Reino Unido e 1,5% nos Estados Unidos. No World Giving Index, por exemplo, ranking realizado há dez anos para medir o grau de solidariedade das nações, o Brasil ocupa uma posição média de 74, com o melhor desempenho registrado em 2015, quando ficou no 68º lugar. 

De acordo com a pesquisa, são três as principais barreiras à prática de doação no Brasil: as pessoas não entendem o que fazem as OSCs e não confiam nelas, as pessoas não têm noção de causa nem do poder transformador da doação e as pessoas acham que quem doa não deve falar sobre isso. As três razões estão relacionadas à forma como a população enxerga e compreende o tema e, por isso, ainda se fazem necessárias ações de conscientização e de processos educativos sobre o assunto. 

“Promover uma mudança de cultura é um processo longo e profundo e tem a ver com provocar uma reflexão sobre como enxergamos o doar, as organizações e a sociedade civil, mas também como enxergamos a nós mesmos em relação ao doar. Não adianta apenas divulgar ações que aquecem o coração, mas é necessário também provocar reflexão sobre como doamos. O desafio é que pessoas e organizações estão em diferentes momentos desse processo reflexivo, e, portanto, precisamos pensar em mensagens diferentes para diferentes públicos”, explica Joana. 

Educar, engajar e fortalecer 

Todo esse processo de diagnóstico subsidiou a elaboração de cinco grandes diretrizes com o objetivo de potencializar a cultura de doação brasileira. São elas: educar para a cultura de doação, promover narrativas engajadoras, criar um ambiente favorável à doação, fortalecer as organizações da sociedade civil e fortalecer o ecossistema promotor da cultura de doação. 

Cada uma é acompanhada de uma visão, resumo, recomendações, atores-chave e principais iniciativas já existentes. Na diretriz um, por exemplo, o documento reforça a importância de ‘fortalecer o espírito cívico e comunitário da população brasileira, promovendo o papel das organizações da sociedade civil para a garantia de direitos e da democracia’, com cada vez mais pessoas falando abertamente sobre suas doações. Todo esse processo está conectado a uma educação voltada à generosidade e são atores-chave associações, bancos, consultores do terceiro setor, escolas e universidades, family offices, filantropos, instituições do ISP e outros. 

Na diretriz dois, por sua vez, faz-se necessário o papel das próprias OSCs e sobretudo da mídia para promover narrativas positivas, qualificadas e inclusivas sobre a doação, com o objetivo de atingir o maior número de pessoas. “Doar precisa virar assunto do dia a dia, conversa na hora do jantar”, reforça o documento

Solidariedade frente à Covid-19

É inegável que a chegada da Covid-19 ao Brasil incentivou um maior número de doações, sobretudo nos primeiros meses da pandemia. Para Joana, houve maior valorização das doações, algo que tem o potencial de incentivar e trazer mais pessoas para o ato de doar. “A doação passou a ser parte da conversa do dia a dia, dos jornais e programas de comunicação. Por fim, criaram-se canais de doação claros e campanhas”, observa.

A especialista acredita na solidariedade do brasileiro e a atribui a uma combinação de fatores que permitiu diminuir a resistência à doação. “Nos sentimos chamados a doar quando entendemos a dor do outro. Com o coronavírus, estamos todos sentindo a dor. A doação vem desse lugar de conexão com o outro e de nos sentimos mais conectados ao enfrentar uma situação que afetou a todos nós.” 


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