7º Encontro da Rede Temática de Negócios de Impacto tem como tema negócios de periferia
Por: GIFE| Notícias| 13/08/2018Na última sexta-feira (10/08), o GIFE conduziu um grupo de investidores sociais ao Distrito Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, para conhecer onde nascem e se desenvolvem os negócios de impacto da periferia. A atividade marcou o 7º Encontro da Rede Temática (RT) de Negócios de Impacto da Periferia (NIPs).
A acolhida do grupo, composto por cerca de 50 representantes de institutos e fundações empresariais, ficou a cargo da A Banca – produtora cultural social de impacto da região. A convite dos coordenadores da RT – Fábio Deboni, do Instituto Sabin, e Célia Cruz, do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) -, o empreendimento organizou a atividade junto à Arco, associação beneficente localizada no bairro Chácara Bandeirantes, um dos 82 bairros que compõem o Distrito Jardim Ângela. A associação é integrada à Rede Socioassistencial do município de São Paulo como serviço da Rede de Proteção Básica e conta com um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) e um Centro para Juventude (CJ). “A gente costuma dizer na A Banca que para nós isso aqui é um grande oásis”, conta Fabiana Ivo, diretora pedagógica da produtora.
Os convidados foram recepcionados com café da manhã ao som da banda Abôrigens. “Somos do Jardim Ângela, que já foi considerado o bairro mais violento de São Paulo e a gente quer fazer dele o bairro mais cultural de São Paulo”, defendeu Daniel Bruno (Kafuso), vocal e um dos fundadores da banda.
Fabiana abriu os trabalhos do dia com um breve relato do contexto da região. “O bairro Chácara Bandeirantes possui cerca de 700 mil habitantes, maior que muito estado ou país. 54% da população é composta por crianças de 4 anos até jovens de 29 anos. A estimativa de vida aqui é de 55 anos, 24 a menos que a população dos Jardins. Temos um único hospital. Aqui no Distrito Jardim Ângela está localizado o maior cemitério da América Latina em número de jovens enterrados. Essa é uma estatística que nos faz todos os dias querer ser melhor e trazer coisas melhores para nossa região. Se vocês olharem o entorno, verão que a qualidade de vida aqui é bem reduzida. Para chegar no ponto de ônibus mais próximo é preciso caminhar cerca de 25 minutos por ruas que ainda não têm asfaltamento. Tem muito ainda a ser feito, mas a gente acredita na pujança das famílias que vivem aqui.”, destacou.
A educadora ressaltou ainda a diversidade cultural da região, conhecida por um dos maiores saraus da América Latina, o Cooperifa; a Feira Literária da Zona Sul (Felizs), um evento nos moldes da famosa Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), só que com literatura marginal; a Noite dos Tambores, encontro de música popular que reúne uma amostragem significativa da diversidade rítmica percussiva; entre outros eventos. “A gente tem o hip hop conectando quebradas, o rap nas ruas para conectar diferentes periferias e pessoas”, pontuou.
Negócios de Impacto Socioambiental
O setor de Negócios de Impacto Socioambiental (NIS) – iniciativas que aliam causas de interesse público a sustentabilidade financeira – vem crescendo e ganhando relevância e visibilidade nos últimos anos e tem atraído cada vez mais a atenção do campo do Investimento Social Privado (ISP). Seja no apoio direto aos empreendedores, às organizações intermediárias (aceleradoras ou incubadoras) ou aos fundos de investimento de impacto, institutos e fundações empresariais têm apostado no modelo, ainda que de forma inicial e experimental, com o direcionamento de parte dos recursos filantrópicos para esse tipo de negócio. Uma das razões é a percepção de maior chance de perenidade dos projetos em face de um modelo que alia impacto a sustentabilidade financeira.
Para que as iniciativas avancem, é preciso ainda maior investimento em diversas frentes: mais capital, novos negócios qualificados, mais formação, mudanças legislativas, entre outras. Porém, por ser uma estratégia bastante nova, ainda há muitas dúvidas por parte do setor relacionadas aos aspectos jurídicos e tributários, riscos e desafios e limites e possibilidades.
“Existem três aspectos importantes já observados. Primeiro, sim, o investimento social privado pode se engajar com esse tema, não só diretamente com negócios em si, mas com o campo como um todo. Segundo, há barreiras, mas que são totalmente superáveis. E, terceiro, há vários caminhos para que institutos e fundações se engajem no campo. O momento atual, então, é de cada um entender e identificar quais caminhos e oportunidades fazem mais sentido para a sua realidade institucional. Saímos daqueles estágios iniciais de incertezas, vimos que é possível e, agora, temos de decidir como fazer”, avalia Fábio Deboni, gerente executivo do Instituto Sabin.
Negócios de Impacto da Periferia
Segundo mapeamento realizado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo, a região sul da capital conta com as mais diversas iniciativas de inovação, como coworkings, investidores e aceleradoras, enquanto que a região norte, por exemplo, não apresenta dados.
“Nos relacionando com diversos parceiros, a gente ouviu várias vezes que existia um abismo para a quebrada ser protagonista desse ecossistema. Isso para nós foi uma das motivações para continuar cada vez mais firmes e entender que ‘ok, existe um abismo, então vamos fazer pontes, construir umas escadas, jogar uma terra para tampar esse buraco e tentar atravessar pro outro lado’”, conta Marcelo Rocha (DJ Bola), DJ da banda Abôrigens e diretor executivo da A Banca.
O músico fala ainda dos desafios de fazer captação na periferia. “É muito mais difícil e não porque não temos capacidade e estrutura jurídica, mas porque nosso networking e as conexões que temos ainda estão bem distantes de quem toma as decisões na hora de investir. As causas são as motivações para que os negócios de impacto façam suas ações e uma provocação que eu trago é que do outro lado das causas está a quebrada. A gente está na ponta da ponta. Quando ainda se pensa em aceleradoras que estão atuando na ponta, a gente ainda está depois da ponta. Ainda tem mais campo a ser fortalecido.”
Para o DJ, é necessária uma mudança cultural desde o momento de pensar os projetos, que preveja a inclusão das periferias na estratégia de distribuição do recurso. “A gente recebe muitas pessoas pedindo ajuda, consultoria na faixa, e é muito importante para nós NIPs da quebrada esse cuidado de distribuir a grana que é captada, fazer chegar mais na base da pirâmide. Nós não tivemos a chance de errar, não temos o tempo para usar nosso intelectual criativo, estamos sempre ocupados com as contas. Se a gente errar, a gente vai voltar pra onde?”
ANIP
Com o objetivo de potencializar uma nova geração de negócios de impacto social na periferia de São Paulo, mais especificamente nos distritos do Jardim Ângela (M’Boi Mirim) e Capela do Socorro e Campo Limpo (Capão Redondo), surgiu a Aceleradora de Negócios de Impacto da Periferia (ANIP).
A iniciativa entre A Banca, Artemisia e Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios (FGVcenn) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) conta com o patrocínio de diversas instituições: Fundação Via Varejo, Fundação Telefônica, Mov Investimento, Fundação ARYMAX, Fundação Vedacit, Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e Fundação Lemann.
“Noventa por cento das startups ou fundações e institutos que vêm pensando inovação social são lideradas por homens brancos privilegiados socialmente e a gente acredita que para uma nova geração de negócios de impacto mais efetiva, essa pessoas e empreendedores que estão na quebrada têm que ser protagonistas. A quebrada pode ser, mais que cliente, beneficiária e usuária desse modelo de negócios sociais de impacto. E a gente sabe que com o investimento e apoio adequados, esses negócios podem ser muito relevantes, não somente para a quebrada, mas para a sociedade como um todo”, destaca DJ Bola.
O apoio da ANIP prevê encontros presenciais, reuniões online, acompanhamento mensal in loco, workshops conduzidos pela equipe da Artemisia, mentoria presencial e virtual e apresentação de pitch na FGV. Ao final do ciclo, os empreendedores que apresentarem participação ativa, desenvolvimento e engajamento ao longo do processo recebem até 20 mil reais de capital-semente.
A primeira edição do programa acelerou os negócios Boutique de Krioula, Empreende Aí, Ecoativa, Jovens Hackers e Editora Selo Povo, todos empreendimentos da periferia da zona sul de São Paulo que estão potencializando suas ações e negócios por meio do investimento da ANIP e também do acesso a uma rede que proporciona troca de conhecimento e contato com outros empreendedores.
Cristine Naum, gerente da Fundação da Via Varejo, uma das patrocinadoras da iniciativa, conta que o empreendedorismo é um pilar bastante novo na instituição, que está realinhando seu modelo de investimentos. “Todos os dias, fazemos um brainstorm gigantesco de como podemos integrar as questões sociais com os negócios da Via Varejo. A fundação fortalece comunidades por meio da valorização das pessoas, identidades e culturas locais e do fomento ao empreendedorismo, geração de renda, primeiro emprego e assim por diante.”
A gerente afirma que o incentivo financeiro aos negócios da ANIP tende a aumentar após esse período de redirecionamento dos investimentos da fundação. “Esse é um caminho que está se iniciando e é sem volta. Nós pretendemos fazer um investimento muito maior e não só financeiro, mas de conhecimento do nosso público para colocar à disposição dos nossos empreendedores.”
A aceleradora já selecionou outros cinco NIPs para a segunda edição do incentivo. DJ Bola conta que foram 51 empreendimentos inscritos. “Para nós, isso validou aquilo que há anos a a gente vem trazendo: que a quebrada pode ser protagonista. Tem muito potencial aqui.”
Iniciativas locais
Três dos empreendimentos contemplados pela primeira edição da ANIP e mais um negócio relevante da região participaram do 7º Encontro da Rede Temática de Negócios de Impacto. Uma dinâmica em grupos após a apresentação dos quatro negócios propiciou um momento de troca entre investidores e empreendedores sociais.
As iniciativas abordam temas que vão desde resgate da identidade e da autoestima da população negra até uma escola de programação e cultura maker robótica.
Boutique Krioula
Na periferia do Campo Limpo, a butique de Michelle Fernandes desenvolve acessórios que resgatam a identidade e a autoestima da população negra, especialmente mulheres, com a missão de valorizar a cultura afrobrasileira.
Empreende Aí
A missão do negócio de Luís Henrique Coelho e Jennifer Rodrigues é disseminar a educação empreendedora de qualidade para territórios populares no Jardim São Luiz, democratizando o ensino e o acesso a teorias e práticas do fazer empreendedor.
Jovens Hackers
Também no Campo Limpo, o negócio de impacto empreendido por Arthur Gandra oferece aulas de programação e cultura maker robótica com custo simbólico para jovens de periferia, os empoderando por meio da tecnologia.
Macambira
A consultoria sociocultural fundada por Alânia Cerqueira possui princípios na educação popular e no território e propõe inovação com foco nos empreendimentos periféricos.
Outras duas iniciativas foram selecionadas pela primeira edição da Anip:
Ecoativa
A iniciativa de Jaison Pongiluppi desenvolve intercâmbios e vivências de impacto ambiental com foco no resgate da cultura da comunidade, valorizando artistas populares e ações voltadas à preservação do meio ambiente.
Editora Selo Povo
Com o sonho de criar uma editora com catálogo formado por autores da periferia, o negócio de Reginaldo Ferreira da Silva (Ferréz), no Capão Redondo, atua com redação, editoração e concepção de livros a valores acessíveis.
Para Jennifer Rodrigues, do Empreende Aí, uma pergunta que se destacou na rodada de trocas com os investidores durante a atividade foi ‘qual foi o maior aprendizado com a ANIP?’ “Eu costumo dizer que nosso grande desafio no Empreende Aí em 2018 foi pensar o crescimento estruturado do nosso negócio. E aí eu digo que o maior ganho foi ter esse acompanhamento para poder desenhar esse crescimento e replicar a metodologia. Hoje, a gente tem um time de facilitadores que são ex-alunos e que estão empreendendo. Então, tem esse potencial para também compartilhar essa metodologia criada por nós. A ANIP foi extremamente importante para pensar esse crescimento estruturado para que a gente pudesse sair do tático, do operacional, para pensar mais o estratégico”, comemora.
Outras apresentações e informes
O 7º Encontro da RT de Negócios de Impacto contou ainda com a participação de Arno Duarte, do Instituto Lojas Renner, que apresentou o projeto Empreendedoras na Moda, que seleciona e capacita grupos produtivos de mulheres da comunidade localizada no entorno da sede da Renner, em Porto Alegre, para transformá-los em fornecedores da empresa.
Um bloco de informes finalizou os trabalhos do dia com a divulgação das publicações “Olhares sobre a atuação do investimento social privado no campo de negócios de impacto”, do GIFE, e “FIIMP – Nossa jornada de aprendizado em Finanças Sociais e Negócios de Impacto”, do FIIMP 1, bem como apresentação do FIIMP 2 e da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENINPACTO).
Rede Temática de Negócios de Impacto
Lançada no Congresso GIFE 2016 com o objetivo de promover um espaço de diálogo sobre as possibilidades de atuação do investimento social privado no campo dos NIPs e ampliar a atuação dos institutos e fundações na área, a RT de Negócios de Impacto já realizou sete encontros ao longo de seus dois anos e tem mais um programado para acontecer ainda em 2018. A rede é aberta a instituições associadas e não associadas ao GIFE.
Fábio, do Instituto Sabin, conta que a RT começou construindo um panorama geral sobre o ecossistema de negócios de impacto e, na fase atual, o grupo está aprofundando temas que têm avançado dentro da agenda maior do setor, com os quais os investidores sociais já estão se deparando, sendo os NIS um deles.
A gente pensou: ‘por que não fazer [o encontro] lá na própria comunidade, dentro de uma incubadora, para as pessoas conversarem com os empreendedores, sentir a energia?’ E foi sensacional ter acontecido aqui o encontro porque mais do que a gente falar, as pessoas vivenciaram e vão levar com elas essa informação, os contatos, a experiência. Valeu muito à pena!”