‘Investidores sociais são essenciais para fomentar o campo de negócios de impacto no país’, acredita Secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços

Por: GIFE| Notícias| 21/05/2018

O campo de finanças sociais e negócios de impacto cresce a cada dia, mas ainda é algo novo, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Para que as iniciativas avancem é preciso um investimento forte em diversas frentes: mais capital, novos negócios qualificados, mais formação, mudanças legislativas…

Para dar respostas a esse desafio, o país deu um salto fundamental e passos largos com o envolvimento de diversos setores da sociedade, em um esforço conjunto de governo, empresas, sociedade civil, academia e investidores sociais, para a criação da Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto (ENIMPACTO), lançada em dezembro de 2017.

De lá pra cá, o Comitê de Investimentos e Negócios de Impactos – criado com a participação de vários atores, inclusive com o engajamento do GIFE – começou a trabalhar e pretende trazer já em 2018 alguns resultados para ajudar no fortalecimento e avanço do campo.

Para falar mais sobre as perspectivas para a ENIMPACTO, que conta com um plano de dez anos de ação, o RedeGIFE realizou uma entrevista exclusiva com Marcos Vinicius de Souza, Secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), e integrante da Força Tarefa de Finanças Sociais (FTFS).

Na conversa, o secretário apontou os desafios e oportunidades para o setor e também as responsabilidades de cada ator da sociedade, destacando o papel fundamental dos investidores sociais no campo de finanças sociais e negócios de impacto. Confira a entrevista completa:

RedeGIFE: Diante dos diversos desafios e demandas socioambientais que o país enfrenta, qual o papel e a contribuição dos negócios de impacto para reverter este cenário?

Marcos: São várias as contribuições. A primeira é em relação à oportunidade que estes negócios trazem de promover acesso a produtos e serviços inovadores e com qualidade para uma população de baixa renda que dificilmente teria condições de ter em negócios tradicionais. O segundo ponto é a própria melhoria dos serviços públicos. Estes negócios, ao serem contratados pelo governo, trazem mais inovação, qualidade e menor custo. E, o terceiro aspecto, é a possibilidade dos próprios segmentos de baixa renda desenvolverem negócios a partir de suas necessidades. Ou seja, é a promoção do desenvolvimento econômico a partir do empreendedorismo da base da pirâmide.

RedeGIFE: E para avançar então neste campo o Brasil criou a Estratégia Nacional de Investimentos de Negócios de Impacto (ENIMPACTO). Qual a importância dessa ação para o país?

Marcos: É uma grande oportunidade para o Brasil, pois temos problemas sociais e ambientais muito complexos para resolver e somente com o governo e a filantropia atuando não seria possível avançar. É preciso o setor privado envolvido, mas orientado para um resultado também de impacto social e ambiental. O que percebemos hoje é que temos no país um ambiente mínimo para este setor se desenvolver e que está evoluindo, com startups e novas empresas com a oportunidade de explorar estes desafios de forma economicamente sustentável; um ecossistema de finanças sociais começando a amadurecer; a atuação da FTFS…

Assim, quando tivemos contato com as 15 recomendações da Força Tarefa, identificamos que havia sinergia com as ações que o governo já estava fazendo, inclusive o MDIC, e que não seria problema adaptarmos para o conceito de negócios de impacto. Vimos que o governo poderia oferecer muitas coisas além das previstas nas recomendações. Por isso, o segundo passo foi validar dentro do governo se haveria interesse de alguns órgãos em entrar neste segmento. Fizemos o contato com 16 ministérios, agências, bancos etc. dentro do governo apresentando o conceito, o que eram os negócios de impacto, o que teriam de potencial apoio e oportunidade para as áreas.

A partir disso, juntamos estes atores com outras instituições do setor privado e da sociedade civil para a criação do que seria a Estratégia Nacional de Investimento de Impacto. Foi algo realmente feito de baixo para cima, em conjunto.  A ENIMPACTO tem prazo de 10 anos e está alinhada também com o Global Steering Group on Impact Investing, que reúne as Forças Tarefas de 17 países.

RedeGIFE: Essa construção colaborativa que vocês estabeleceram, como a criação do próprio Comitê de Investimentos e Negócios de Impactos com a participação de organizações da sociedade civil, trouxe ganhos para o processo e para a sua continuidade?

Marcos: O pioneirismo da Estratégia é justamente esse. Quando fizemos um processo de benchmarking com outros países para ver como eles vinham trabalhando o tema, percebemos que a maioria começou por uma área ou agência específica no governo e a partir daí ia crescendo ao longo do tempo. Mas, no Brasil, achamos que seria muito pouco uma área só começar, como, por exemplo, a partir de investimento, e deixar as outras descobertas. O nosso diferencial foi justamente atacar todas as áreas que atuam diretamente neste campo dos negócios de impacto, não só capital, mas também de preparação dos negócios, fortalecimento dos intermediários, regulações etc. simultaneamente. E, para concretizarmos isso, era preciso envolver diferentes áreas do governo. Essa construção colaborativa foi importante também porque essas áreas começaram a interagir com a sociedade civil.

Outro ponto de destaque é que colocou governo, empreendedores, sociedade civil, setores de classe, empresas etc. para desenhar juntos os instrumentos e programas de apoio para impulsionar o movimento no país. Trata-se de uma iniciativa criada não dentro do gabinete, mas de desenho conjunto com quem vai usar estes mecanismos. Ou seja, esse processo de colaboração foi muito importante porque vamos construir instrumentos e programas que estarão alinhados às necessidades do campo.

RedeGIFE: A ENIMPACTO está dividida em 4 eixos de trabalho e  17 macro objetivos: Ampliação da oferta de capital; Aumento do número de negócios de impacto; Fortalecimento das organizações intermediárias; Promoção de um macro ambiente favorável aos investimentos e negócios de impacto. Quais ações já foram realizadas desde dezembro, quando foi assinado o decreto presidencial nº 9.244/17 para a implementação da ENIMPACTO? Quais os planos para 2018 para o Comitê de Investimentos e Negócios de Impactos?

Marcos: O Comitê Estratégico tem como proposta se reunir a cada três meses justamente para acompanhar a implementação da Estratégia. De dezembro de 2017 até agora já promovemos duas reuniões, sendo que a última aconteceu agora em maio. A primeira reunião foi de instalação e detalhamento do que esperávamos dos parceiros e, na segunda, começamos a ver as propostas de projetos, programas e instrumentos de apoio para serem detalhados. Entre as reuniões do Comitê, são realizados os encontros dos diversos Grupos de Trabalho (GTs), que criamos em cada eixo, que são os responsáveis por fazer reuniões e trazer convidados para debates e reflexões de acordo com os temas de interesse. Estes GTs trabalham nas propostas e apresentam ao Comitê para aprovação.

Nesta última reunião detalhamos os ‘entregáveis’ e estabelecemos a priorização das ações, pois há iniciativas que, muitas vezes, são de longo prazo para serem implementadas, mas que precisam iniciar agora. Determinamos também algumas entregas rápidas para já serem realizadas em 2018.

Entre os assuntos importantes que discutimos é a possibilidade do uso de modalidade de pagamento por resultado apresentado e não pelo meio, ou seja, o governo paga pelo resultado e dá um bônus se aquele negócio social que assumir algo na educação, por exemplo, apresentar de fato impacto, como melhoria da nota dos alunos, diminuição da evasão etc. Assim, deixamos de pagar somente pela metodologia, mas sim pelo resultado final. Porém, a legislação brasileira tem muita insegurança jurídica para este tipo de investimento. Não foi realizado nada similar no Brasil. Há algumas iniciativas nesta perspectiva que serão lançadas em São Paulo e Ceará. O processo então será: primeiro de aprendizado, depois de desenho da iniciativa e, por fim, envolver o legislativo, que precisará fazer modificações legais jurídicas para avançarmos. Este é um processo que demora muito tempo.

Agora, há outros processos de curto prazo que foram priorizados, como a constituição de fundos específicos para investimentos em negócios de impacto, que tenham uma engenharia financeira determinada para este campo. Há interesse do BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil etc. em participar e vamos avançar neste sentido ainda neste ano.

RedeGIFE: Qual então o papel do governo para fomentar e fortalecer ainda mais o ecossistema de finanças sociais e negócios de impacto no país?

Marcos: O governo tem vários papéis neste segmento. Um deles é o fomento a programas e iniciativas junto ao setor privado, principalmente no sentido de reduzir os riscos, tanto para os negócios de impacto quanto para os investidores, compartilhando este risco. Outra questão diz respeito à parte regulatória, ou seja, criar novas legislações e decretos para que tenham mais segurança jurídica, e isso só o governo pode fazer. E, há um terceiro aspecto, no qual o governo pode ser um cliente dos negócios sociais. Assim, entra como parte de poder de compra, seja por pagamento por performance, seja em compras públicas.  Acredito que como neste momento o ecossistema está nascendo é fundamental o governo entrar com força. Quando o movimento estiver mais maduro e começar a caminhar mais sozinho, aí pode sair de campo.

RedeGIFE: Mesmo com os diversos apoios que avançam pelo país, é fato que os negócios de impacto ainda enfrentam muitos desafios para crescer e atuar: poucos investimentos e capacitação, falta de respaldo para testar seus protótipos etc. O que é preciso fazer para alavancar ainda mais este ecossistema?

Marcos: Avalio que existam dois pontos principais, que são dois eixos dos quatro que definimos na ENIMPACTO. O primeiro diz respeito à disponibilidade de capital, que precisa ser mais paciente e entender os riscos e, portanto, tenha características, mecanismos e formatos diferenciados. Assim, seja qual for o instrumento, ele precisa ser modificado a este universo para termos justamente mais capital disponível. E, o segundo ponto, é o país ter mais negócios sociais e de qualidade para absorver as demandas. E isso passa, numa primeira etapa, pela conscientização, de mostrarmos o que são negócios de impacto, que é possível sim ter retorno financeiro e impacto social, e, com isso, motivar o surgimento de novos negócios. E, a segunda etapa, é torná-los mais preparados, com capacitações que os ajudem a prosperar.

RedeGIFE: Muitos investidores sociais – como institutos e fundações –, inclusive, têm se aproximado deste campo, criando diversos projetos de apoio aos negócios de impacto. Qual a importância dessas iniciativas?

Marcos: Eu acho não só fundamental esse engajamento, mas realmente crítico para avançarmos. É impossível pensar em apoio a negócios de impacto sem ter investidores privados entrando no jogo. Tanto que uma das ações que estamos desenvolvendo no GT de Capital do Comitê é como atrair fundações privadas para investir parte de seus recursos em negócios de impacto.

Por isso, termos instituições como o GIFE próximo destas iniciativas é essencial. Quando desenvolvermos estes fundos diferenciados, por exemplo, será fundamental atrair fundações privadas que queiram compartilhar o risco com o governo e outros atores nesta questão de investimento de impacto. Isso sem falar na experiência que os investidores sociais já têm em resolver diversos problemas socioambientais e que podem trazer para a discussão e ajudar a desenvolver os mecanismos e instrumentos que precisamos.

RedeGIFE: E o engajamento da sociedade como um todo para darmos novos passos neste ecossistema? Uma pesquisa lançada pelo Sebrae apontou, por exemplo, a falta de conhecimento dos brasileiros sobre o que seriam os negócios de impacto. Qual é a percepção do Ministério a respeito deste cenário? Como reverter?

Marcos: Este tema é novo não só no Brasil, mas no mundo. E, justamente por ser tão novo, que inclusive dentro do próprio governo não existia esse conhecimento a respeito da temática há uns três anos. O desafio é como disseminar o conceito dentro do governo, na comunidade de investidores, no próprio setor privado, nas fundações etc. Por isso, um dos trabalhos da ENIMPACTO será de conscientização e disseminação do campo, mostrando os benefícios, os potenciais ganhos de investir no campo. Mas realmente é preciso avançarmos.


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