O que não te contaram sobre Negócios de Impacto

Por: Instituto Sabin| Notícias| 09/09/2019

Fábio Deboni[1]

* Publicado originalmente em 10 de outubro de 2017 em: https://www.linkedin.com/pulse/o-que-n%C3%A3o-te-contaram-sobre-neg%C3%B3cios-de-impacto-f%C3%A1bio-deboni/ . Esta nova edição contém ajustes e atualizações devidas.

Tema em alta na atualidade, os negócios de impacto constituem-se em uma agenda que veio para ficar. Sua crença fundamental é de que é possível gerar impacto social de forma combinada com retorno financeiro. Segundo a Aliança pelos Investimentos e Negócios de  Impacto[2], são 4 os princípios básicos para uma iniciativa ser considerada como sendo “negócio de impacto”[3] (para alguns, negócio social):

Princípio 1 Compromisso com a missão social e/ou ambiental
Princípio 2 Compromisso com o impacto social e ambiental monitorado
Princípio 3 Compromisso com a lógica econômica
Princípio 4 Compromisso com a governança efetiva

 

Vale lembrar que esses princípios estão sendo revisitados e uma nova versão da Carta de Princípios deve se lançada até o final de 2019. De 2015 pra cá, o tema avançou, ganhou mais complexidade, novos formatos e se aproximou de outras agendas (ISP/filantropia é uma delas, dentre outras). É neste contexto que a nova versão da Carta procurará se inserir.

Para além das questões já amplamente discutidas sobre o tema, me proponho aqui a trazer à tona questões mais “lado B” sobre o assunto, a seguir.

  1. Qual é o nome correto? Negócio de impacto? Negócio social?

O nome é o que menos importa. Escolha o de sua preferência e concentre-se na proposta de valor que esta iniciativa quer gerar. Temos dispersado energia no debate sobre nomenclaturas ao invés de concentrar no que realmente importa – o impacto social por meio de modelos de negócio. O campo vem utilizando o termo ‘negócios de impacto’ como sendo um nome mais ‘consensual’, embora o nome ‘negócios sociais’ seja o mais facilmente compreendido por leigos. Seria mais ou menos o paralelo entre OSCs e ONGs – OSC, o termo mais ‘correto’ e ONG o termo mais popularmente conhecido.

Finalmente uma observação importante: nem todo empreendimento que se diz de ‘impacto’ o é nos termos que estamos abordando aqui.

  1. Qual será a prioridade do empreendedor de impacto: gerar retorno financeiro ou impacto social?

Alguns responderiam de pronto: as duas coisas, claro! Mas, no mundo real, há situações em que o empreendedor pode ser “tentado” a receber um aporte de investimento para deixar o impacto social em segundo plano e priorizar a escala na ótica financeira. Como reagir a esta situação? Até onde a dimensão do impacto social será sustentada?

Além disso, o centro de gravidade de cada negócio/empreendedor de impacto muda ao longo da sua jornada. No início da operação seu foco é basicamente provar seu modelo e manter-se vivo. Na sequência, ele consegue refinar processos, métricas e buscar investidores ou outras fontes de financiamento para seguir crescendo e ganhar escala. O importante é que a dimensão do ‘impacto’ permanece sempre entre seus propósitos de existência, haja visto que nem toda iniciativa que se diz de ‘impacto’, de fato é.

  1. Qual o formato jurídico mais indicado?

Há diversos formatos jurídicos para uma iniciativa ser considerada como sendo um “negócio de impacto”. Ele é o que menos importa. Não há um qualificação jurídica própria para estas iniciativas no Brasil e não há consenso sobre a real necessidade de se tê-la ou não[4]. Nossa opinião se soma a de vários colegas da área: o modelo jurídico é apenas um meio e não o fim em si. Em alguns contextos, será melhor ser uma ONG (associação sem fins lucrativos), em outros uma empresa, em outros os dois (híbrido). De fato, o que interessa mesmo é a geração do impacto social, e deve-se buscar o formato jurídico que for mais adequado para maximizar este impacto.

  1. Todo negócio de impacto precisa ser, necessariamente, escalável?

Há alguns empreendedores locais e periféricos que não almejam ganhar escala e querem seguir com uma atuação mais local e com mais profundidade.

Neste sentido cabe refletir: por que escalar tem que ser uma condição quase obrigatória aos negócios de impacto? Porque desencorajar negócios de impacto não-escaláveis?

Precisamos de todos os tipos de negócio e, creio, que não estamos no momento de excluir propostas por conta da escala. Em outras palavras: também há vida fora da escala e vale lembrar que escala também passa por um modelo de negócio próximo a governos (B2G), além do já batido uso da tecnologia.

  1. Um negócio de impacto que ainda não gera receita é um negócio?

Apenas a intenção de ser um negócio já o coloca como sendo um negócio de impacto em si? Nova edição do Mapa da lançado recentemente pela Pipe Social[5] revelou diversos dados intrigantes sobre negócios de impacto, dentre eles:

  • 43% ainda não faturam $$
  • 42% ainda não definiram indicadores de impacto

Mantendo o foco aqui na geração de receita, vale lembrar que como boa parte desta base ainda está ‘se provando’, é compreensível que quase a metade ainda não consiga ter faturamento e, portanto, não consiga parar de pé financeiramente. Esse dado da realidade coloca mais uma perspectiva de colaboração do ISP/filantropia neste setor. Não mensurar impacto passa por tempo, energia e recursos, e também é  uma dimensão que pode ser mais bem potencializada pelo ISP/filantropia.

  1. A base da pirâmide empreendendo soluções para a base

É crescente um conjunto de questionamentos sobre os negócios de impacto não terem a base da pirâmide em sua concepção e liderança. Estes negócios surgem para criar oportunidades para a base da pirâmide, mas, em geral, são empreendidos por pessoas de classe média ou classe-média alta, homens e brancos. Não ter em seu time profissionais de comunidades seria, para muitos, uma contradição nestes negócios.

Esse legítimo incômodo também tem sido um gatilho para a emergência dos negócios de impacto periféricos[6], que trazem um olhar muito criativo e evidenciam a potência que a base tem para empreender suas próprias soluções para a infinidade de desafios que historicamente ela enfrenta.

  1. Onde está a diversidade empreendendo negócios de impacto?

Decorre daí a lacuna da participação de mulheres, negros, comunidades tradicionais, pessoas com deficiências, comunidade LGBTQ+ e diversos outros grupos sociais como empreendedores de negócios de impacto. Porque ainda os negócios de impacto são empreendidos por homens brancos, classe A – B? Como acelerar a inserção destes grupos sociais neste processo? Essa tem sido uma provocação recorrente nos eventos e conversas do setor.

  1. Porque ONGs e cooperativas são ‘patinhos feios’ nesta história?

Uma olhada rápida entre as iniciativas ‘mainstream’ do campo de negócios de impacto e veremos que seu centro de gravidade está mais no setor privado (fundos de investimento, investidores e negócios de impacto (leia-se empresas)). Mas se há diferentes tipos e formatos jurídicos para os negócios de impacto, por que tão pouca visibilidade de ONGs e cooperativas neste sentido? Por que tão poucas organizações intermediárias do ecossistema focadas nestas organizações?

Aqui cabe uma excelente oportunidade de ampliar o engajamento do ISP/filantropia neste campo, colocando luz nestes atores (ONGs, cooperativas, negócios periféricos e outros) e fortalecendo essa frente junto ao ecossistema[7].

Questões para pensarmos:

– quantas/quais aceleradoras de impacto que você conhece aceleram também ONGs e/ou cooperativas?

– quantos/quais instrumentos financeiros estão disponíveis para fomentar impacto de ONGs/cooperativas (na perspectiva da lógica do campo de negócios de impacto)?

Vamos conversar mais sobre estas (e tantas outras) questões menos triviais nesta agenda?

É este o intuito deste artigo. Forçar nosso olhar para os muitos ‘lado Bs’ que existem no campo de negócios de impacto. Que outros atores que circulam neste campo (e afins) possam também lançar luzes nestas questões ‘inconvenientes’.

[1] Gerente Executivo do Instituto Sabin (www.institutosabin.org.br). Atualmente coordena a Rede Temática de Negócios de Impacto do GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas) em conjunto com ICE e Fundação Grupo Boticário. Membro do Conselho do GIFE. É escritor e está lançando novo livro “Impacto na encruzilhada: inovação social, negócios de impacto e investimento social privado: caminhos e descaminhos, à venda em: https://mymag.com.br/projeto/encruzilhada/ e na Amazon. Contato: [email protected]

[2] Antiga ‘Força Tarefa de Finanças Sociais’: https://aliancapeloimpacto.org.br/

[3] Em documento base chamado ‘Carta de Princípios’, disponível em: https://forcatarefa-assets.s3.amazonaws.com/uploads/2015/10/Carta_Principios.pdf

[4] Há discussões e propostas sendo trabalhadas a partir da ENIMPACTO, inspiradas em experiências do Sistema B em outros países.

[5] Disponível em: https://pipe.social/mapa2019#download

[6] Um ótimo documentário sobre o tema foi produzido e lançado pela AUPA em meados de 2019: https://youtu.be/DOASHWEOacQ

[7] Alguns exemplos de iniciativas neste sentido: http://www.alimi.com.br/email/Alimi_Brochure.pdf, https://www.sitawi.net//emprestimos-socioambientais/, https://phomenta.com.br/a-phomenta/, https://www.ekloos.org/


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