Rede Temática de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes promove debate sobre respeito aos direitos humanos no campo do investimento social privado

Por: GIFE| Notícias| 27/08/2018

No dia 23 de agosto, a Rede Temática (RT) de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes deu um importante passo ao promover o evento “Aliança entre Institutos, Fundações e Empresas pelos Direitos da Criança e do Adolescente”. O encontro aconteceu na Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, e teve como objetivo servir como espaço de diálogo e articulação de organizações que trabalham com o tema.

Eva Dengler, gerente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil e representante da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, ficou responsável pela abertura institucional da reunião. Uma das coordenadoras da RT, a gerente acredita que a garantia de direitos não deve ficar restrita ao investimento social privado (ISP), mas também deve fazer parte da gestão de negócios.

Depois de uma breve apresentação acerca do universo heterogêneo dos 142 institutos, fundações e empresas associados ao GIFE, Graziela Santiago, coordenadora de conhecimento do GIFE, apresentou dados do “Censo GIFE” relacionados à pauta do dia. Realizada desde 2001, a oitava edição da pesquisa mostrou que há uma tendência histórica de crescimento da atuação em defesa de direitos. Se em 2009 esse número era de 29%, em 2016 alcançou 43%.

Com apresentação de gráficos, Graziela apontou que ‘idade’ é uma das características mais levadas em consideração na definição de projetos pelos associados. Dentro desse recorte, as instituições atuam com crianças de quatro a cinco anos (21%), de seis a dez anos (36%) e adolescentes de onze a catorze (43%) e de quinze a dezessete (48%). Além disso, dos 116 respondentes, doze afirmaram que pelo menos um dos seus três projetos principais é desenvolvido na área de defesa de direitos.

Histórico dos Direitos Humanos

A abertura das exposições ficou a cargo da anfitriã do evento, Flávia Scabin, professora e coordenadora do Grupo de pesquisa aplicada em Direitos Humanos e Empresas (GDHeE) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para responder qual é o papel dos institutos e fundações no respeito aos direitos de crianças e adolescentes, Flávia trouxe um panorama acerca do surgimento dos Direitos Humanos em um contexto pós-guerra, onde a maioria das violações eram cometidas pelos próprios Estados.

Em 2008, John Ruggie, representante especial sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, publicou o Marco Regulatório “Proteger, Respeitar e Reparar”, que versa sobre a obrigação dos Estados de proteger os Direitos Humanos e o dever das empresas de respeitá-los. 

Flávia também dividiu com os participantes os 31 Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas (ONU), assinado por 193 países. Uma das novidades nesse tratado está no princípio orientador 13, que determina que as empresas têm a responsabilidade de respeitar os Direitos Humanos de duas formas: ao evitar que suas próprias atividades gerem impactos negativos e também na busca para prevenir ou enfrentar os impactos relacionados a suas operações, produtos ou serviços, mesmo que não tenham contribuído para gerá-los.

A coordenadora também trouxe exemplos de casos reais como o da Boate Xingu, quando o Ministério Público Federal (MPF) enviou ofícios à Norte Energia e ao Consórcio Construtor de Belo Monte depois de investigar casos de exploração sexual de mulheres e adolescentes na região das obras da usina de Belo Monte. Flávia citou a Carta da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU sobre a responsabilidade indireta de empresas. Trecho do documento afirma que “as empresas também podem ser responsabilizadas pelas violações a Direitos Humanos decorrentes de suas operações e parceiros comerciais. A exceção seria quando não houvesse qualquer relação com os impactos adversos causados”.

O final de sua apresentação foi destinado à explicação de alguns instrumentos empresariais para gestão e controle de impacto. “O compromisso político de respeito aos Direitos Humanos deve estabelecer com clareza que ações serão adotadas pela empresa. Isso deve ser aprovado pela alta direção da empresa, além de ser uma estratégia empresarial conhecida por todos os parceiros comerciais”, observou. Já sobre o Due Diligence, Flávia explica que consiste em um conjunto de etapas realizadas continuamente por empresas para avaliarem a gestão e os riscos dos seus negócios com o objetivo comum de respeitar os Direitos Humanos.

Entre cases, dados, gráficos e análises, a professora citou uma pesquisa da RobecoSAM que mostra os desafios de empresas na área de Direitos Humanos. Entre várias conclusões, é possível identificar que há muitas práticas voltadas para as atividades diretas das empresas, o que não é uma realidade quando o assunto é a cadeia como um todo. “Trata-se de um processo de mudança e tudo precisa começar de alguma forma. Esse cenário não é necessariamente ruim, mas é preciso continuar com as iniciativas. É preciso adotar, além de uma série de medidas sobre as ações nas empresas, medidas também para a cadeia de fornecedores, por exemplo.”

Conhecimento compartilhado

A segunda parte da reunião foi destinada à apresentação de cases. Ao todo, cinco representantes de quatro grandes instituições dividiram com o público suas ações para garantir o respeito aos Direitos Humanos, principalmente no que se refere a crianças e adolescentes.

 

Coca-Cola Brasil e o manual de marketing

Andrea Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, compartilhou como é feita e pensada a publicidade no âmbito global. “Marketing responsável é o nosso compromisso mais antigo e isso vem evoluindo ao longo do tempo. A primeira política de marketing é de 1956. De lá pra cá, muita coisa foi mudada. A política em vigor foi escrita em 2008 e publicada em 2009, e vem sendo atualizada constantemente.”

Na sua apresentação, Andrea passou pelos dez princípios operacionais que a área de marketing da empresa segue. Alguns merecem destaque como o princípio seis, que fala sobre o compromisso da empresa de não anunciar em nenhum tipo de mídia que tenha audiência superior a 35% de crianças de até 12 anos. Nos intervalos de programas destinados a um público com menos de 12 anos, a Coca-Cola não faz propaganda de forma alguma. Além desse, outros princípios versam sobre a responsabilidade de não patrocinar eventos que tenham crianças como público principal ou não usar celebridades e personagens que tenham apelo junto a crianças.

 

C&A e o monitoramento de fornecedores

Márcia Costa, vice-presidente de Recursos Humanos, Comunicação e Sustentabilidade da C&A e membro do Comitê de Investimentos do Instituto C&A, contou que um marco importante foi a implantação da SOCAM, foi o Código de Conduta Global para o Fornecimento de Mercadorias, em vigor desde 1996 – uma empresa independente criada especialmente para o monitoramento de sua rede de fornecedores. Em 2006 a SOCAM foi trazida para o Brasil e em 2009 foi elaborado o primeiro relatório de sustentabilidade e em 2010 a C&A assinou um pacto contra o trabalho escravo. “Foi muito bacana, pois vários fornecedores foram até a nossa sede para assinar. Foi um momento importante, de trazer outros atores para a questão e criar uma rede colaborativa, que é no que a gente acredita: não trabalhar somente para a C&A e sim para a comunidade brasileira.”

Em 2015 a marca dá um grande passo ao criar a Sustainable Supply Chain (SSC), juntamente com um novo Código de Conduta e a Área Global de Sustentabilidade. Esse monitoramento da cadeia de fornecedores rendeu 1.667 auditorias, realizadas em 2017, em mais 260 cidades brasileiras. Já o Instituto C&A, que tem como missão “fazer da moda uma força para o bem”, mudou de foco em 2016 e, até o ano passado, conseguiu resultados expressivos com o Programa de Combate ao Trabalho Escravo e Infantil, como por exemplo, vinte mil mulheres e homens resgatados do trabalho forçado, dezoito mil imigrantes regularizados no Brasil e mais de 800 crianças que trabalhavam em fiações na Índia de volta à escola.

 

InterCement e atuação com a comunidade

Marco Polo Júnior, gerente de área logística da InterCement, e Jordania Furbino, analista de investimento social do Instituto InterCement, compartilharam com o público como a trajetória do investimento social da empresa evoluiu ao longo do tempo.

Hoje, o Instituto InterCement divide sua atuação em dois eixos: desenvolvimento comunitário e negócios de impacto.

A articulação com a sociedade civil e o poder público visa o desenvolvimento local. Para exemplificar, citaram dois programas. Um deles é a Semana do Bebê. Criada em 1999 pela Prefeitura Municipal de Canela, é uma estratégia de mobilização social que coloca a primeira infância no centro das atenções. A programação é pensada pelos Comitês de Desenvolvimento Comunitário (CDCs), que levam em conta as demandas locais para divulgar conhecimento e serviços sobre crianças. De 2013 a 2017, mais de trinta mil pessoas participaram da ação, que foi realizada em dezessete municípios brasileiros. Essa atuação com maior envolvimento da comunidade também acontece no programa Na Mão Certa, da Childhood Brasil. A InterCement aderiu em 2007 e apoia a mobilização para o enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias do país.

 

Vale e a relação com comunidade e fornecedores

Maria Angert,  Especialista de Direitos Humanos da Vale, ficou responsável por fechar a apresentação de cases e, para isso, escolheu contar um caso real da empresa. Em 2014, um juiz do Pará procurou a Vale para dizer que havia o uso de mão de obra infantil em lava-jatos utilizados por prestadores de serviços de transporte da empresa.

A gerente explicou que a questão de Direitos Humanos não é trivial em empresas de diferentes setores. “A reação das pessoas ao se deparar com casos como esse é pensar que não têm nada a ver com isso. Mas é preciso mostrar que todos nós temos tudo a ver.” Nesse caso específico, uma série de ações foram pensadas para sensibilizar os fornecedores para a gravidade do problema e mostrar que a empresa não tolera essa prática em sua cadeia de valor. Além disso, inúmeras áreas da Vale, como Direitos Humanos, Relações com Comunidades e Departamento Jurídico foram envolvidas, assim como a rede de proteção da infância da localidade.


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