Segundo encontro da rede Narrativas debate Comunicação Transformadora

Por: GIFE| Notícias| 24/09/2018

Realizado no dia 18/09, em São Paulo, o 2o Encontro da rede Narrativas reuniu profissionais que trabalham com a comunicação de causas de interesse público para discutir o conceito de “Comunicação Transformadora”.

Lançada durante o X Congresso GIFE (assista ao lançamento aqui), a Narrativas defende que as organizações da sociedade civil (OSCs) apostem na comunicação estratégica para pautar suas agendas e gerar mudanças.

Em seu manifesto, a rede explicita a vontade de aproximar e conectar comunicadores, promover a troca de informações e experiências, bem como fortalecer a comunicação como área estratégica nas organizações da sociedade civil.

“Foi muito graças ao esforço conjunto que a gente começou a entender o que é discutir comunicação. Não tínhamos clareza sobre as grandes questões e desafios, e até por isso o encontro de hoje é tão valioso, porque é a primeira vez que a gente vai discutir comunicação transformadora e quais são os elementos que fazem dessa uma comunicação para impacto e transformação”, observou Mariana Moraes, gerente de comunicação do GIFE.

Para inspirar o debate, o grupo contou com a participação de duas convidadas: Juliana de Faria, diretora executiva da Think Olga, que trouxe a experiência da campanha “Chega de Fiu Fiu”; e Fernanda Cortez, do negócio de impacto socioambiental Menos 1 Lixo. Ambas dividiram suas experiências com cases que têm a comunicação como elemento estratégico visando a transformação social.

Campanha “Chega de Fiu Fiu”

Juliana abriu as apresentações dividindo com o grupo a origem da campanha “Chega de Fiu Fiu”. Fundadora da ONG Think Olga, que visa promover o empoderamento feminino por meio da informação, a jornalista criou a campanha em 2013 para combater o assédio sexual em locais públicos. “A campanha nasceu de forma orgânica, de uma dor pessoal”, contou, se referindo às suas próprias experiências.

A campanha teve início com a circulação de artes que tinham como propósito espalhar a mensagem de repúdio à violência sexual de maneira didática. Além da linguagem, Juliana ressalta o elemento estético. “As artes eram coloridas, bonitas, leves, com um tom de humor. A escolha do nome da campanha também tem a ver com a finalidade de uma comunicação clara, de fácil compreensão pelo público em geral”, explica.

As imagens foram compartilhadas por milhares de pessoas nas redes sociais. O número de mulheres que apoiaram a campanha desde o início era um forte sinal da legitimidade do problema. Ainda assim, a Think Olga encomendou um estudo para conhecer melhor a opinião das mulheres em relação às cantadas de rua.

Em apenas duas semanas, foram quase oito mil respondentes. Os números revelaram que 98% delas já haviam sofrido assédio, 83% não achavam legal, 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa na tentativa de evitar o assédio e 81% já haviam deixado de fazer algo (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) por esse motivo.

Com a divulgação desses dados, a campanha ganhou visibilidade na imprensa. O próximo passo foi a criação do “Mapa Chega de Fiu Fiu”, uma ferramenta cujo objetivo é tornar as cidades mais seguras para as mulheres ao relacionar geograficamente locais e motivos que aumentam a incidência de casos de assédio em determinadas áreas com a finalidade de buscar soluções que mudem essa realidade.

Juliana conta que o mapa se transformou em uma ação de advocacy. “Cada pessoa podia usar o mapa como ferramenta de transformação no seu micro universo. Elas se empoderaram e começaram a levar a bares, restaurantes e outros locais para cobrar ações de segurança.”

O desdobramento mais recente da campanha é o documentário “Chega de Fiu Fiu”, financiado coletivamente via Catarse. A primeira meta do financiamento foi conquistada logo nas primeiras 24 horas. O doc, que tem como objetivo ser uma ferramenta de educação contra o assédio, foi lançado em maio e segue com uma agenda de exibições especiais.

Juliana compara o sucesso da ação com um efeito em cascata ou uma fileira de dominós que só precisa do ‘empurrãozinho’ na primeira peça. “Coragem é viral”, defende.

Menos 1 lixo

A ativista ambiental Fernanda Cortez também atendeu ao convite do grupo para dividir com os comunicadores presentes a experiência do Menos 1 Lixo, negócio de impacto socioambiental que dissemina informações sobre consumo e sustentabilidade por meio de conteúdos multimídia.

Ela conta que há dois anos, inspirada pelo documentário “Trashed: para onde vai nosso lixo”, começou um movimento pessoal com o objetivo de registrar a economia de copos plásticos a partir da adoção de um copo reutilizável que comprou pela internet. A iniciativa gerou uma economia de 1.618 copos em um ano.

A idealizadora do movimento conta que foi especialmente provocada pela constatação acerca do volume de informações que já existiam sobre o assunto, porém sem uma narrativa que promovesse conexão com as pessoas.

“O Menos 1 Lixo nasceu justamente dessa identificação da problemática da linguagem. Aquilo que estava sendo pesquisado não estava alcançando os tomadores de decisão. Era tudo muito técnico, feio ou restritivo. Quando lancei a plataforma, eu tinha o propósito de levar a informação de forma acessível e bonita. A estética é muito importante. Eu vim da moda e sei que a moda dita comportamento. Ficou claro para mim que sem uma mudança na linguagem, o assunto não sairia da bolha dos hippies e dos técnicos”, conta.

Assim, a plataforma de conteúdo Menos 1 Lixo nasceu com o intuito de promover informação de forma multimídia, atraente e acessível. A partir de conteúdos relevantes produzidos por institutos de pesquisa reconhecidos, a plataforma oferece informação por meio de matérias, infográficos e outros recursos visuais, sempre atrelada a uma ação prática. Baseado nas redes sociais, o movimento conta com quase 200 mil seguidores no Instagram. “Nossas narrativas se baseiam em um comportamento ‘cool’ e descolado de propósito. A gente estuda bastante o comportamento do consumidor para criá-las.”

A experiência com o copo reutilizável da ativista ganhou adeptos, incluindo celebridades, e se transformou em um produto do movimento. Ela conta que recorreu a fornecedores nacionais em todas as etapas de desenvolvimento do produto, que é cem por cento sustentável.

“É um produto auto-explicativo. Não foi pensado assim, mas o copo hoje representa uma grande parte do orçamento do Menos 1 Lixo. Ele chama a atenção das pessoas para a quantidade de lixo produzida diariamente. É algo que tangibiliza um comportamento”, observa.

Fernanda dividiu ainda com o grupo os resultados de umas das webséries produzidas pelo movimento cujo objetivo foi promover uma campanha contra o uso do canudo plástico. A pauta ganhou notoriedade na imprensa a partir da veiculação do vídeo e já se transformou em lei nas cidades do Rio de Janeiro e Vila Velha.

Atualmente, o objetivo do Menos 1 Lixo é colocar no centro do debate a questão urgente do lixo marinho com a websérie “Mares Limpos”.

Fernanda encerrou sua atuação profissional anterior ao movimento e desde 2016 se dedica integralmente à iniciativa. A idealizadora explica que o Menos 1 Lixo não se tornou uma organização sem fins lucrativos propositalmente. “Eu queria mostrar que é possível criar um negócio de impacto lucrativo, que emprega pessoas. Esse conceito do negócio de impacto, que é um negócio que nasce com o objetivo de resolver um problema e ter lucro ao mesmo tempo, é ainda muito novo. Sem dinheiro ninguém faz nada, nem as ONGs. Aliás, esse é um problema de muitas delas, em especial as pequenas”, ressalta.

Em quatro anos, o movimento alcançou dez milhões de pessoas, envolveu quinze empresas e vendeu cem mil copos. Fernanda salienta o papel de advocacy do Menos 1 Lixo. “Acredito muito na narrativa como ação, principalmente nesse mundo das redes sociais. Estamos mudando o comportamento do consumidor. São 200 mil pessoas falando não ao plástico e discutindo as pautas do consumo e da preservação ambiental.”

Para a ativista, comunicação não é ferramenta, mas estratégia. “Quando a gente entende que a comunicação é estratégica, a rubrica tem que ser maior e talvez tenha que mudar um pouco os indicativos do que é percebido como sucesso nas ações. Se a gente não conseguir fazer advocacy, não conseguir mudar a legislação, vamos estar trabalhando à toa ou muito longe do impacto que poderíamos causar.”

Elementos da Comunicação Transformadora

Após a apresentação dos dois cases, os comunicadores se dividiram em grupos para discutir os elementos da comunicação transformadora a partir de duas perguntas orientadoras: quais são os elementos necessários para uma comunicação transformadora e o que essa comunicação está de fato transformando?

De acordo com uma pesquisa online realizada pela rede, a expressão ‘comunicação transformadora’ traduz algumas idéias-chave: comunicação que promove efetivamente algum tipo de mudança social, engaja, gera mudança de comportamento, informa com eficiência, produz reflexão, quebra paradigmas e sensibiliza/conscientiza.

O debate reforçou alguns dos elementos trazidos na apresentação dos cases da “Chega de Fiu Fiu” e do Menos 1 Lixo tais como uso da comunicação como estratégia; linguagem acessível; design atraente; legitimidade baseada em uma causa de interesse público; autenticidade para gerar empatia e engajamento; jornadas pautadas em ações; aproveitar o ‘timing’, ou seja, pegar carona em temas que estão sendo amplamente debatidos ou fatos que ganham notoriedade; utilização de instrumentos como storytelling para gerar aproximação com o cotidiano; linguagem multimídia, ou seja, explorar diferentes canais e formatos de comunicação; comunicação propositiva, que aponta o problema, mas também propõe soluções; foco na ação; gerar envolvimento dos públicos promovendo apropriação e empoderamento; e trabalhar com objetivos práticos e tangíveis.

Além dessas, o grupo identificou outras características que fazem uma ação de comunicação transformadora: uso de narrativas amigáveis, ou seja, aquelas que acolhem e conectam em vez de criticar e rechaçar; espaço para escutar e construção colaborativa; inovação; mostrar impacto em longo prazo; ‘sair da bolha’; garantir o respeito à diversidade que promova inclusão de todos os pontos de vista; entender perfis dos públicos de interesse; interesse genuíno na causa; pensar a transformação em diferentes níveis (arco de engajamento); diálogo entre pares, atuação em rede e uso do poder das comunidades; entre outras.

Entre as transformações elencadas pelo debate estão pautar conversas; transformar culturas, costumes e padrões de comportamento individuais e coletivos; gerar consciência e conexão entre as pessoas e as causas; empoderar; engajar empresas; e influenciar políticas públicas.

Histórico da Narrativas

Tudo começou em 2015, após a participação de um grupo de comunicadores brasileiros na ComNet, nos Estados Unidos, principal conferência de comunicadores de organizações sem fins lucrativos do mundo ligada a uma rede de profissionais que leva o mesmo nome.

O grupo se transformou em um comitê que se encontra regularmente a fim de instituir um fórum permanente dedicado à comunicação de interesse público no Brasil.

Em 2018, esse comitê foi acolhido como rede temática do GIFE, o que propiciou fôlego para receber novos comunicadores de causas sociais de todas as partes do país.

A rede promoveu seu primeiro encontro em maio deste ano com o objetivo de levantar as expectativas e os desafios dos profissionais da comunicação e assim definir estratégias de atuação para 2018.

Atualmente, o grupo se organiza em quatro GTs: Conteúdo, Formação, Articulação e Captação.

O próximo encontro está previsto para acontecer no final deste ano em torno do tema “Impacto em Comunicação”.


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