“Taxação de grandes fortunas deveria ser um movimento global”, defende Inês Mindlin Lafer
Por: GIFE| Notícias| 23/09/2024Inês Mindlin Lafer, presidente do Conselho de Governança do GIFE e idealizadora do Confluentes
A série Caminhos para Justiça Social, lançada pelo GIFE, traz debates sobre a taxação de fortunas e doação no Brasil. Serão entrevistas quinzenais com diferentes lideranças da filantropia e do investimento social privado sobre o tema
A partir desta segunda-feira (23), o GIFE dá início a uma nova série de entrevistas que irá abordar um tema essencial para o futuro da filantropia e da justiça social: a taxação e a doação das grandes fortunas e os caminhos do investimento social privado rumo à mitigação das desigualdades sociais. As entrevistas serão veiculadas a cada 15 dias, sempre com um(a) entrevistado(a) diferente.
Para dar início à série, convidamos Inês Mindlin Lafer, presidente do Conselho de Governança do GIFE. Ela também é idealizadora do Confluentes – plataforma que busca impulsionar a filantropia individual no Brasil – e diretora do Instituto Betty e Jacob Lafer.
De acordo com ranking anual da Forbes, o Brasil ocupa o 7º lugar entre os países com maior número de bilionários no mundo. Dados do relatório da Oxfam, lançado em janeiro de 2024, também mostram que 63% da riqueza brasileira está concentrada em 1% da população. Considerando este cenário, por que os super ricos do Brasil doam tão pouco em relação a sua riqueza?
Acho que a gente tem uma baixa cultura de doação e também não temos uma prática muito recorrente em solicitar outras pessoas para além daquelas que sempre doam. Precisamos encontrar outras alternativas que motivem, que sejam gatilhos para que as pessoas doem como sensação de pertencimento. E isso significa também colocar a doação de um jeito um pouco mais exposta. No Brasil, temos uma cultura bastante católica de dizer ‘vou doar, mas não vou contar’. Então, é algo que a gente deveria ir mudando. Dar visibilidade para que outras pessoas passem a ver isso como um modelo e, assim, se sentirem motivadas a também reproduzir essa iniciativa.
Quais estímulos o Brasil ainda precisa para que sejam ampliadas esses tipos de doações?
A primeira coisa que está encaminhada com a Reforma Tributária no Brasil é a isenção de ITCMD, você não pagar um imposto para doar para o bem público, porque o ITCMD incide sobre as doações filantrópicas da mesma maneira que o imposto sobre herança. Poderíamos ter estímulos fiscais também, hoje é muito sobre direcionamento de imposto e não sobre desconto de imposto. Ter cada vez mais plataformas e espaços com curadorias de organizações confiáveis para as quais possam ser feitas doações. Então, os estímulos fiscais, os estímulos legais para doação, mas também o quanto a gente é capaz de transformar isso numa prática culturalmente mais aceita e realizada, que é o que o Movimento por uma Cultura de Doação vem trabalhando nos últimos tempos com várias organizações.
Um levantamento da Mordor Intelligence de 2023 apontou que é esperado que a indústria de family offices cresça de US$138 bilhões dólares em 2024 para cerca de US$233 bilhões de dólares em 2029 ao redor do mundo. Nesse sentido, como doações vindas desses grupos podem mitigar os impactos provocados pelas desigualdades sociais?
A gente não tem certeza o quanto as doações podem fazer ou mitigar os impactos provocados pelas desigualdades sociais, a gente espera que sim, mas isso depende muito da maneira como é feito, se há ou não há coordenação entre os diferentes atores e doadores investidores. Então, nesse sentido, organizações como o GIFE, por exemplo, que olham para coordenação e para formação e para disseminação de conhecimento nesse espaço da filantropia e do investimento social, são importantes.
Como você avalia o papel que o Brasil tem ocupado no debate sobre a taxação das grandes fortunas? Você acredita que a realização do G20 no país e o protagonismo no debate vão impulsionar mudanças nesse cenário?
Muito tem se falado a respeito dessa proposta de se ter um imposto mínimo para os multimilionários, que sirva também como uma maneira de mitigar as questões climáticas. Que as pessoas que geram mais impacto, possam custear os efeitos das mudanças climáticas, onde há mais pobreza e onde o impacto é sentido de maneira maior. Acho uma medida interessante. Pelo fato de o G20 estar acontecendo aqui, isso torna a voz do Brasil mais visível sobre esse tema. No entanto, um país sozinho não pauta esse debate e não produz as mudanças necessárias.
Como a taxação das grandes fortunas pode contribuir com a ampliação da obtenção de recursos em prol da redução das desigualdades?
Estamos falando sobre pensar o potencial contributivo que as grandes fortunas podem ter para os governos dos seus países. Não adianta nada ter só imposto arrecadado se não tiver políticas públicas boas, governos que gastam esse recurso de uma maneira eficiente, sem corrupção e etc. Então, eu acho que junto com taxação de grandes fortunas, a gente tem que olhar também para o governo, para a política pública, para representatividade, para participação social na destinação do orçamento. Não é de forma automática que as mudanças vão vir. Tendo mais recursos bem gastos em boas políticas, esperamos ter menos desigualdades.
Alguns setores acreditam que essa taxação, caso aprovada, vai gerar uma “fuga” dos ricos do país. O que você acha acerca disto?
O que eu já ouvi falar é que na verdade quem tem mais recurso e mais imposto a pagar, em geral, tem a oportunidade de contratar escritórios de advocacia que fazem planejamento tributário. E as pessoas com grandes fortunas tendem a poder mudar de domicílio fiscal e escolher onde é que elas vão declarar para poder planejar e pagar menos imposto do que reduzir a sua própria carga tributária. Então, eu acho que a taxação de grandes fortunas deveria ser um movimento global. Nesse sentido, a proposta que o Haddad está encampando do economista francês, Gabriel Zucman, é uma ideia interessante. Eu acho que uma coisa coordenada, onde você tenha um combinado político e diplomático entre os países, tende a funcionar melhor.