Quase 2,5 milhões de pessoas contaminadas e 90 mil mortes. Os números revelam parte do saldo negativo da pandemia do novo coronavírus quase cinco meses após a confirmação do primeiro caso no país.
Junto com as taxas de disseminação e óbitos e de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), a Covid-19 também tem disparado índices relacionados a velhos desafios sociais, como a fome e a violência doméstica, sem contar os ambientais – vide as taxas de desmatamento na Amazônia, que não param de crescer. Um cenário preocupante que tem descortinado desigualdades que há tempos estruturam a sociedade brasileira.
A resposta dos diversos setores foi imediata. Desde a confirmação da chegada da pandemia ao país, não faltam demonstrações de solidariedade por parte de empresas, organizações da sociedade civil (OSCs), instituições filantrópicas, institutos e fundações e coletivos e grupos de cidadãos. São inúmeras ações de apoio aos setores impactados, como saúde, educação e assistência social, e às parcelas mais fragilizadas da população, a exemplo de populações periféricas e do campo, ribeirinhos e povos indígenas.
O alcance desse amplo movimento de ajuda impressiona. O Monitor das Doações Covid-19, plataforma constituída pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), já contabiliza mais de R$ 6 bilhões, um recorde absoluto na história recente de doações destinadas a situações de emergência vividas pelo país.
A área da saúde foi, disparada, a que mais recebeu recursos até agora (78%), seguida de assistência social (17%) e educação (5%).
Do total doado, 56% foi em dinheiro, 35% em produtos diversos (de máscaras a cestas básicas e equipamentos hospitalares) e 9% em serviços.
O maior montante doado veio de empresas (majoritariamente do setor financeiro), que contribuíram com R$ 4 bilhões e 800 milhões de reais (82%). Lives e campanhas solidárias correspondem a 8% do montante, indivíduos e famílias a 4% e fundações, institutos e fundos patrimoniais também a 4%. O restante se divide entre fundações, fundos filantrópicos e institutos, administração pública, sindicatos, cooperativas e igrejas.
O valor impressiona quando comparado com o montante doado durante todo o ano de 2018 pelo setor do investimento social privado (R$ 3,25 bilhões), segundo dados do Censo GIFE, uma das principais pesquisas sobre o setor no Brasil. O valor corresponde a 1,1 vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, a 1,5 vezes o orçamento do Ministério da Cultura ou a 2,5 vezes o orçamento do Ministério do Esporte naquele ano.
Se somado ao montante mapeado pelo Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC) – pesquisa anual realizada pela Comunitas que traça parâmetros e comparações sobre o perfil do investimento social privado empresarial no Brasil – o investimento realizado em 2018 foi de R$ 3,59 bilhões. Ainda assim, o montante arrecadado em apenas quatro meses em resposta à pandemia é quase o dobro.
A pandemia da Covid-19 já é considerada por muitos um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade. Por um lado, o aumento diário no número de pessoas infectadas e vítimas fatais impõe estado de emergência e colapso no sistema de saúde dos países no mundo todo. Por outro, os impactos sociais e econômicos da pandemia têm gerado muita preocupação e incertezas entre governos ao redor do planeta.
A saúde é certamente a área mais afetada, com desafios que vão de falta de infraestrutura e equipamentos a escassez de profissionais e de condições adequadas para garantir a segurança do trabalho.
A área econômica também tem sido duramente impactada, haja vista as taxas de desemprego. Estimativas feitas ainda no início da crise já previam que a pandemia poderia duplicar o número de desempregados no Brasil, passando de 11,6% para 23,8%, o equivalente a 12,6 milhões a mais de pessoas sem trabalho. O índice chegou a 12,9% no trimestre entre março e maio deste ano, atingindo 12,7 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Especialistas acreditam, no entanto, que os índices estejam subdimensionados, já que as medidas de distanciamento social impostas na tentativa de conter o avanço da doença no país podem estar reduzindo o nível de procura por trabalho. Segundo análise do Itaú Unibanco em entrevista ao UOL, por exemplo, o desemprego estaria em 16%, caso o volume de pessoas procurando trabalho tivesse se mantido no mesmo nível de antes da chegada da pandemia ao Brasil.
O isolamento, necessário para conter a disseminação da Covid-19, tem escancarado um dos maiores abismos sociais: a violência doméstica. O aumento no número de casos é um fenômeno no Brasil e no mundo.
O mesmo contexto de distanciamento que fomenta maior violência, no entanto, dificulta as denúncias por parte das vítimas. O secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, tem recomendado aos países que tomem medidas para enfrentar e prevenir a violência doméstica durante a pandemia. Entre as propostas, destacam-se maior investimento em serviços de atendimento online, estabelecimento de serviços de alerta de emergência em farmácias e supermercados e criação de abrigos temporários para vítimas de violência de gênero.
No Brasil, a ausência de políticas públicas eficientes e a insuficiência de investimentos públicos e privados são alguns dos desafios enfrentados.
Crianças e adolescentes constituem outro grupo que merece atenção especial no atual contexto de crise. O grupo é o quarto com maior incidência de queixas.
A impossibilidade de encontros presenciais e aglomerações imposta pelo distanciamento social, medida necessária para conter o avanço da pandemia da Covid-19, também tem inviabilizado o trabalho de milhares de profissionais da cultura. São shows e festivais cancelados e cinemas, teatros, museus e outros espaços culturais fechados. De acordo com pesquisa da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos, mais da metade da programação deste ano foi suspensa, com perdas estimadas em R$ 90 bilhões. Só no estado de São Paulo, quase 1,5 milhão de pessoas vivem da cultura.
Um elemento tem sido comum frente a esse cenário de desafios: a ampliação de ações e redes de solidariedade. Ao redor do mundo, aumentam as histórias de como pessoas, coletivos, movimentos, organizações e empresas têm se somado e multiplicado iniciativas para ajudar os mais vulneráveis e os próprios governos nas respostas à crise. Nesse sentido, há quem diga que o momento tem revigorado a capacidade dos modos cidadãos e coletivos, reafirmando seu papel para sociedades democráticas.
A premissa de articulação, colaboração e coordenação de esforços tem ditado o jogo em todos os setores, desde o empresarial, passando pelo setor público, até o terceiro setor, que inclui nichos como a filantropia e o investimento social privado e também o campo das organizações da sociedade civil.
No caso da rede de organizações associadas ao GIFE, as ações deram origem à plataforma Emergência Covid-19 – Coordenação de ações da filantropia e do investimento social em resposta à crise. Uma iniciativa do GIFE junto a associados e parceiros, a ação tem como objetivo facilitar e coordenar a atuação da filantropia e do investimento social privado (ISP) para responder à situação de emergência vivida no país.
Além da elaboração de um documento que reúne diretrizes para a atuação do setor, um grupo de trabalho composto por representantes de fundações, institutos, empresas e outros investidores sociais tem se reunido para mapear e debater as ações possíveis para o enfrentamento dos desafios impostos e potencializados pela pandemia.
Já foram mapeadas aproximadamente 150 iniciativas e 200 fundos e campanhas de emergência promovidas e/ou fortalecidas pelo setor. Com base nesse mapeamento, o GIFE identificou os principais eixos de atuação dos investidores, que se dividem entre trilhas imediatas e de médio e longo prazo para responder aos impactos da crise em áreas e públicos diversos.
Algumas das ações desenvolvidas por institutos e fundações que participam dos grupos de trabalho da iniciativa Emergência Covid-19 podem ser conhecidas na série de matérias sobre cada um dos eixos temáticos de atuação dos investidores veiculada pelo redeGIFE entre maio e junho. Confira:
Para José Marcelo Zacchi, secretário-geral do GIFE, a imensa mobilização de todos os setores da sociedade civil organizada em resposta à pandemia demonstra a força e o vigor da capacidade de ação coletiva e solidária que existe na sociedade brasileira.
A seguir, conheça algumas reflexões de atores do investimento social privado e de organizações da sociedade civil entrevistados ao longo da série “Emergência Covid-19”, produzida pelo redeGIFE.
Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil
Em entrevista exclusiva ao redeGIFE, Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil, falou sobre as desigualdades estruturais que têm sido escancaradas pela crise provocada pela chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil.
Para a socióloga, reforma tributária, renda básica e fortalecimento da democracia e da defesa de direitos são algumas das pautas prioritárias, tanto para a fase de recuperação pós-pandemia, como para enfrentar as desigualdades que estruturam a sociedade brasileira.
Giovana Bianchi
COORDENAÇÃO DE COMUNICAÇÃO
Leonardo Nunes
ASSISTÊNCIA DE COMUNICAÇÃO
Estúdio Cais
REPORTAGEM/TEXTO
Estúdio Zut
PODCAST
Rogério Testa
INFOGRÁFICO
Marina Castilho
DESIGN & DESENVOLVIMENTO