Investimento social privado aposta na cooperação para gerar transformações nas práticas da gestão pública

Por: GIFE| Notícias| 16/07/2018

Em tempos de crise política, social e econômica como a vivida atualmente pelos brasileiros, é comum que o termo “gestão pública” suscite um imaginário coletivo bastante pessimista. Os mecanismos da política institucional e a forma como se dão há anos a oferta, o acesso e a qualidade dos serviços públicos têm gerado enorme insatisfação na população brasileira a ponto de estabelecer uma nova crise: a de credibilidade da máquina pública.

Uma pesquisa de opinião realizada no ano passado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP) aponta que a insatisfação dos brasileiros no atual contexto se reflete numa falta de confiança generalizada no presidente (83%), nos políticos (78%) e nos partidos (78%), expressa em todas as regiões, faixas etárias e de renda. “No conjunto, percebe-se que os brasileiros continuam polarizados em percepções e campos opostos. Entretanto, alguns pontos são comuns: não prescindem do papel do Estado para solucionar a questão das desigualdades sociais, bem como para melhorar a economia e garantir a proteção básica à população, como saúde, segurança e educação, mas não querem a interferência dele em outras questões”, diz o texto do relatório. O estudo completo pode ser acessado aqui.

“Cidadãos altamente insatisfeitos com a qualidade do serviço público, assolados por narrativas de desvios e ineficiências na administração são fatores que têm azedado a relação entre cidadãos e Estado e agravado os conflitos entre órgãos de controle e o poder Executivo, gerando paralisia pelo receio de punição”, observa Sérgio Andrade, cientista político, mestre em Gestão e Políticas Públicas (FGV/EAESP) e fundador da Agenda Pública, organização que trabalha para aprimorar a gestão pública, a governança democrática e incentivar a participação social.

Mas, afinal, o que é Gestão Pública?

Trata-se de um campo que se relaciona às organizações cuja missão seja de interesse público ou afete o mesmo. Por exemplo, as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), embora sejam juridicamente entidades privadas, muitas vezes objetivam o bem público. A gestão pública abrange áreas como Recursos Humanos, Finanças Públicas, Políticas Públicas, entre outras.

Para Sérgio, um dos grandes dilemas do setor é o financiamento de políticas públicas, segundo ele, resultado da crise econômica que afeta severamente a arrecadação e das restrições impostas pelo teto dos gastos públicos ao atendimento de demandas sociais, referindo-se à Emenda Constitucional 95, promulgada no final de 2016, que limita por 20 anos os gastos públicos.

Ele aposta no desenvolvimento de um Estado articulador capaz de liderar a coprodução e a implementação de políticas públicas mais democráticas e de qualidade. “O caminho da cooperação entre os diferentes setores da sociedade para a resolução de problemas públicos pode gerar transformações efetivas, permanentes e sustentáveis nas práticas de trabalho das administrações públicas.”

O RedeGIFE conversou com o cientista político para entender o que o Investimento Social Privado (ISP) pode fazer pela gestão pública no Brasil.

RedeGIFE – Qual é o papel do ISP na agenda da gestão pública e que oportunidades de mudança podem dialogar com as expectativas do setor?

Sérgio Andrade – O Brasil vive um período marcado pela desconfiança e por radicalismos. A ausência de um consenso sobre a agenda nacional prioritária e uma visão de país minimamente compartilhada oferecem grandes desafios. A capacidade do nosso modelo de democracia para produzir bem-estar e inclusão também está sendo posta à prova, gerando graves contradições e  insatisfação crescente. Nesse contexto, é fundamental investir em iniciativas que gerem coesão social, enfrentem o quadro de desigualdades e fortaleçam as instituições democráticas. Essa decisão vai responder pelo tipo de país que queremos construir.

RedeGIFE – Que agenda(s) deve(m) ganhar prioridade na interface entre ISP e Gestão Pública?

Sérgio Andrade – As expectativas do investimento social privado quanto à escala, impacto e legitimidade de suas ações socioambientais passam pela sinergia com políticas públicas.  Além disso, as mudanças ambicionadas pelo setor não poderão ser alcançadas sem o desenvolvimento de capacidades institucionais, ou seja, capacidades para entregar boas políticas e serviços públicos. Estamos falando de capacidade administrativa e de governança pública. Não há país desenvolvido sem boas instituições. Para isso, é fundamental completar a tarefa de fortalecimento dos municípios, iniciada após a Constituição de 1988.  A governança do futuro passa pelas cidades, pelos governos locais. Essa deve ser uma prioridade.

RedeGIFE – Como e em que medida a agenda da Gestão Pública dialoga com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU)?

Sérgio Andrade – A grande lição que os ODS nos trazem é reinventar a maneira como resolvemos os problemas públicos. Requer uma abordagem sistêmica, um olhar para as múltiplas causas de um problema, superando a visão fragmentada “em caixinhas”. A construção de soluções, portanto, envolve coordenação entre as diferentes áreas de governo, mas também a cooperação com outros atores da sociedade, públicos e privados. Sem essa abordagem, não encontraremos caminhos realistas para um modelo de desenvolvimento mais sustentável.

Investimento Social Privado na prática: gestão de pessoas, inovação e boas práticas

Natália Leme, responsável pela área de Relações Institucionais e Parcerias do Instituto Humanize, associado ao GIFE, defende que o ISP tem um papel muito importante e complementar ao da gestão pública. “O terceiro setor é fiscalizador e provocador de mudanças no setor público, que por sua vez é o único setor que poderá resolver os desafios brasileiros na escala necessária. O investimento social privado precisa ajudar o setor público a alcançar uma gestão pública mais eficiente sugerindo mudanças que possam impactar a qualidade dos serviços oferecidos ao cidadão. Trabalhar para a atração e retenção de talentos, mapear e replicar boas práticas e trazer a inovação para a atuação pública brasileira nos ajudará a alcançar esse propósito.”

O Humanize elegeu três agendas prioritárias para incidir na gestão pública: gestão de pessoas, inovação e boas práticas. Por meio do apoio a projetos e programas, a instituição quer promover maior qualificação do servidor público e da gestão de recursos humanos no setor, oferecer insfraestrutura e soluções inovadoras que resultem na excelência do serviço prestado ao cidadão e identificar e difundir boas práticas para dar escala à contribuição.

“Entendemos a gestão pública como parte fundamental do nosso propósito, que é potencializar o uso sustentável da biodiversidade brasileira por meio do desenvolvimento de capacidades locais e do fomento às atividades produtivas sustentáveis visando a melhoria da geração de renda e da qualidade de vida. Sabemos que só alcançaremos esse propósito com uma gestão pública qualificada que dê suporte ao desenvolvimento sustentável do país.”

Gestão de pessoas também está no foco de atuação da Fundação Lemann. Weber Sutti, coordenador de programas da organização, conta que depois de um amplo processo de estudo e aprofundamento no tema promovido pela instituição, em parceria com o Instituto Humanize e a Fundação Brava, foi possível perceber que governos que avançaram de forma consistente e profunda na gestão pública passaram por um processo de qualificação dos cargos críticos de suas lideranças.

“Isso foi identificado tanto em experiências municipais brasileiras, quanto em experiências internacionais. Os cases mostram que agendas como inovação, ampliação da eficiência e efetividade dos governos e garantia da integridade começam por uma gestão de pessoas ativa e estratégica, em especial para os cargos críticos de liderança, que serão os responsáveis e condutores deste processo de transformação.”

A parceria a que Weber se refere diz respeito a uma aliança entre Fundação Lemann e Instituto Humanize que promove o cofinanciamento de projetos na área de gestão de pessoas no setor público olhando para frentes de capacitação, reconhecimento, formação de rede e inteligência. Esta última a partir da construção de um banco de dados com experiências brasileiras sobre recursos humanos e gestão de pessoas no setor público. Um dos principais projetos no momento é a implementação e sistematização de cases junto a órgãos públicos com a finalidade de dar escala à missão. A aliança deu tão certo que já está integrando duas outras organizações: a Fundação Brava e o Instituto República.

“Nós queremos trabalhar a gestão de pessoas no setor público para incidir na gestão pública. Acreditamos numa gestão pública mais eficiente e que as pessoas são uma alavanca para fazer essa mudança”, ressaltou Weber.

O que o Investimento Social Privado pode fazer pela gestão pública?

O projeto “O que o investimento social privado pode fazer por…” busca refletir sobre as contribuições e oportunidades de atuação em novas agendas do investimento social privado no país, como direitos das mulheres, água, mudanças climáticas, equidade de gênero, cidades sustentáveis, entre outros. O tema da Gestão Pública fecha a série de oito reportagens lançadas pelo RedeGIFE.

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